Genshin Impact – Um “free to play” que pagaria para jogar

Muitos são os jogos free to play para as mais diferentes plataformas disponíveis e não são propriamente novidade. Mas Genshin Impact é, fundamentalmente, uma agradável surpresa.

Sempre me considerei um privilegiado pelo facto de, desde tenra idade, ter tido oportunidade de me aventurar pelos mais distintos mundos e personagens de fantasia que este meio de entretenimento proporciona ao contar histórias como mais nenhum outro, uma vez que enquanto jogadores temos parte activa na sua criação e desenvolvimento. Os anos foram passando e, com o interesse por tantos jogos distintos a surgirem ao mesmo tempo, foi-se começando a acumular a quantidade, enquanto o tempo para usufruir deles ia diminuindo.

Se para jogar as dezenas e dezenas de jogos que me despertavam a atenção e que (felizmente) mais tarde ou mais cedo me foi possível ter e, posteriormente, comprar, quando o assunto em conversas com amigos era MMORPG ou outro género de jogo em que não era necessário pagar para desfrutar, a minha atenção sempre foi nenhuma, fundamentalmente por duas razões: o backlog já era grande e o desconhecimento quanto à verdadeira gratuitidade dos free to play.

Ao experimentar Genshin Impact tinha, por um lado a desconfiança associada a um jogo gratuito, questionando-me principalmente sobre o que realmente poderia fazer e conseguir progredir sem ter de despender dinheiro algum mas, por outro lado já existia uma característica que, para mim, era apelativa: a arte e aspecto anime. Pena é, muito por força da dimensão bastante generosa do mapa já disponível (mais a história avance com os próximos patches, mais certamente haverá para explorar), os pop-ups regulares, a demora no carregamento de texturas após um loading e, principalmente este ponto negativo, a lentidão dos loadings seja ao entrar numa dungeon ou após uma fast-travel, podendo demorar quase 1 minuto.

Começando precisamente pelo aspecto: Genshin Impact é lindo! Para quem é apreciador de um estilo japonês muito característico (ironicamente o jogo foi desenvolvido pela empresa chinesa miHoYo), que se assemelha ao que de melhor se faz em séries de enorme renome como Naruto ou One Piece, no que ao design de personagens, cidades e paisagens em geral diz respeito, o trabalho realizado e a opção por este estilo merecem os maiores elogios. Utilizando videojogos como termo de comparação, salta à vista a inspiração em The Legend of Zelda: Breath of the Wild e Ni no Kuni: Wrath of the White Witch, assim como na série Dragon Quest que é para onde me remetem logo inimigos como slimes, que são bastante frequentes no mapa do jogo.

Após uma cutscene inicial com uma luta intensa, dois irmãos são separados, cabendo ao jogador escolher entre controlar o personagem masculino ou a personagem feminina, a quem poderá apenas ser escolhido o nome, não havendo qualquer opção de personalização, ou seja, quem escolhermos para ser a figura central na interessante e intrigante trama que se vai desenrolando, foi idealizado pela produtora com determinadas características inalteráveis, sendo a mais relevante (lamentavelmente neste ponto) a de ser mudo\a. Não me faz falta escolher a cara, o cabelo ou os olhos do(a) protagonista, mas preferia a utilização do voice acting como acontece em todos os restantes personagens controláveis e em muitos dos NPC’s.

A jogabilidade de Genshin Impact assenta na acção pelo que é de action RPG que se trata, com o controlo total em tempo real dos ataques que podemos realizar, estando os inimigos dispostos ao longo do mapa, seja pelo mundo de Teyvat, seja nas dungeons que também marcam presença. O combate é muito satisfatório, seja pelo gosto em realizar os diversos ataques possíveis (existe um ataque normal, um ataque charged e, à medida que se derrotam inimigos e se acumula energia, um ataque que pode designar-se de ultimate), seja pelos visuais eye candy quando são executados.

No entanto, no que o combate mais brilha é na combinação que o jogo quase “exige” que se faça dos elements. Os elements são 7: Anemo (Vento), Geo (Terra), Electro (Electricidade), Dendro (Natureza), Hydro (Água), Pyro (Fogo) e Cryo (Gelo). Ao enfrentar um inimigo que esteja na água, se utilizarmos um ataque de gelo iremos deixá-lo congelado (literalmente), mesmo que acabe por descongelar, mas obviamente é uma hipótese de o ter imobilizado durante uma fracção de tempo para infligirmos mais dano, assim como se utilizarmos água para deixar um inimigo wet e lhe despejarmos a seguir com um ataque de electricidade, provoca-se “Electro-Charged”, ficando o inimigo a sofrer dano eléctrico algum tempo. O inimigo está a proteger-se com um escudo de madeira? Ataque-se com fogo e é vê-lo até abanar o escudo para ver se consegue apagar o incêndio provocado! Achei tudo isto delicioso mostrando empenho e cuidado nestas combinações a que, naturalmente, fiz apenas uma pequena referência já que muitas mais variedades há.

Se isto já não fosse interessante e desafiante só por si (quanto mais fortes os inimigos, mais entusiasmantes os confrontos se tornam), para utilizar os vários elementos disponíveis temos de mudar, durante a própria luta, de personagens. Cada personagem controlável dispõe de uma Vision, uma habilidade conferida pelos Deuses que existem neste mundo fantasioso e que é o que lhes permite controlar um elemento e executar magia. Eu joguei na PlayStation 4 onde a mudança das personagens está atribuída aos botões do D-Pad, podendo criar-se uma party com 4 elementos, no máximo, com excepção de certas missões de história em que é adicionada outra personagem às que já constituem a nossa equipa, não sendo tão intuitiva a forma de a seleccionar (L1 + triângulo). Cada personagem jogável é distinta entre si, tanto pelos poderes mágicos que domina (cada uma tem o seu), como pela arma que utiliza pois cada uma domina uma específica, sendo elas arco, livro de feitiços, lança, espada e claymore (um género de espada mais pesada e longa), conjugando-se várias animações e que dão sensações distintas, já que ao realizar ataques com uma claymore ou com uma lança se sentem claras diferenças na velocidade entre elas e ao recorrer ao arco é possível até fazer mira com o L2 e disparar com o R2. Toda esta acção intensa a acontecer no ecrã, ao mudar constantemente de personagem para ter o seu elemento próprio, ajustado aos oponentes, bem como a possível acumulação de vários inimigos ao mesmo tempo no terreno (as personagens é que só podem ser uma de cada vez) levaram a algumas evidentes quebras de framerate, o que não sendo positivo nunca chegou a interferir ou a prejudicar uma batalha.

level-up dos nossos heróis, bem como das armas e dos artifacts ocorre fundamentalmente com recurso a materiais. Ao vencermos combates ganhamos EXP mas, regra geral, a quantidade é pequena para fazer a diferença suficiente para aumentar de nível, pelo que os imensos baús espalhados pelo mapa e as quests sidequests que fazemos e nas quais se ganham diversos itens assumem mais importância para que a nossa equipa fique ao nível dos desafios que se vão sucedendo. Diga-se, porém, que nas imensas horas em que joguei nunca senti escassez dos ores que permitem aumentar o nível das armas, de adventurer’s experience que dão EXP às personagens (indispensáveis principalmente porque cada nova que se recebe vem em nível 1)Os artifacts são um tipo de equipamento presente no jogo e que funcionam como melhoramentos para a defesa, ataque ou probabilidade de fazer critical damage, para dar exemplos, e que é possível fazer enhance consumindo os mesmos artifacts de nível inferior. Tanto armas, artifacts e personagens se encontram avaliados por estrelas, sendo que personagens variam entre 4 e 5 estrelas, armas e artefactos entre 1 e 5.

Fiz referência aos imensos baús que existem pelo mapa e são, realmente, bastantes e ainda bem. Juntando os baús à história principal que o jogo tem, as sidequests (que vão desde a tarefa comum em RPG’s de entregar algo em outra cidade, até exterminar inimigos num certo sítio), dungeons que são desbloqueadas ou missões de Adventurer’s Guild à qual o jogador vai pertencer, vários são os meios que permitem receber armas, artefactos, mora (o dinheiro neste mundo) e o indispensável Adventure EXPA progressão na Archon Story (história principal) e em Story Quests (sidequests que envolvem personagens do guião) está bloqueada até serem atingidos determinados níveis de Adventure EXP. Se por um lado existem vários meios de reunir esta experiência, por outro torna-se exageradamente demorado o tempo que somos obrigados a estar a correr de um lado para o outro, o que é facilitado pela existência de waypoints, para prosseguirmos nos eventos que estão muito bem construídos à volta de 7 divindades (os… Seven), que governam 7 cidades principais, cada uma à sua maneira, havendo quem entenda que a cidade deve ser livre para ser gerida como os seus habitantes entenderem, quem apareça apenas de vez em quando (os Deuses utilizam corpos humanos para se relacionar com o seu povo) e até quem procure impor a sua vontade aos outros, disposto a jogos diplomáticos sujos e a recorrer à guerra para conseguir os seus intentos.

A exploração é bastante facilitada pela existência de umas asas que permitem planar de posições elevadas e pelo facto de ser possível escalar qualquer superfície (mesmo qualquer uma). Ambas estas formas de movimentação pelo mundo de jogo consomem stamina (tal como nadar) que, quase sem se dar por isso, vai adquirindo uma importância grande, seja por ter que se escalar montanhas cada vez mais altas, ser útil voar longas distâncias ou não haver outro meio a não ser nadar parte do caminho. Ora, se a stamina se esgotar volta-se ao ponto de onde partimos, caso tenhamos ficado sem ela a nadar, ou a personagem que estivermos a utilizar perde HP (parte ou mesmo a totalidade) se cairmos de um local elevado, no ar ou a escalar. A melhoria da stamina só acontece ao coleccionar anemoculus, uma espécie de orbs que estão espalhados por vários locais e que, à medida que desbloqueamos Statues of The Seven, são marcados no mini-mapa para facilitar a localização e recolha. É também às Statues of The Seven que têm que se depositar os tais anemoculus, sendo exigidos cada vez mais à medida que o nível das Statues aumenta. Tudo isto teve em mim o “efeito vício” em que uma mera viagem até ao local de uma missão que não esteja muito longe possa levar muito mais tempo porque entre parar para derrotar uns inimigos, abrir uns baús e apanhar uns anemoculus aparecem no mini-mapa mas que ainda não visualizámos mesmo onde estão, fica-se entretido e as horas vão passando. Teyvat tem vida e isso nota-se.

Na componente sonora Genshin Impact também é atractivo. As melodias compostas pela Orquestra Sinfónica de Xangai fazem companhia em todos os momentos, ajustando-se aos ambientes, desde as duas grandes cidades disponíveis (para já), com a particularidade de numa serem evidentes os tons orientais, tal como está construído o cenário do local, a suavidade presente enquanto se caminha pelos montes e florestas e a maior intensidade em lutas contra bosses. A associação da sonoridade com os eventos no ecrã está bem conseguida e até arriscaria dizer que a música deste jogo é a qualidade que será mais unânime aos jogadores. As interpretações vocais merecem igualmente elogios no geral, não podendo, porém, dizer o mesmo da voz da companhia constante do protagonista, que funciona quase como “grilo falante do Pinóquio”. Em pouco tempo torna-se, no mínimo, irritante.

Mas, afinal, onde está a parte de os produtores quererem o nosso dinheiro, perguntarão. Não é engano, tudo o que ficou dito não me custou um único cêntimo! Mas, caso queiram ter as melhores armas e personagens possíveis, que é como quem diz, armas e personagens de 5 estrelas o método mais rápido é, de facto, abrir os cordões à bolsa. É necessário? Não. Durante as várias horas que já joguei, foi-me possível conseguir mais 4 personagens jogáveis, além das 4 que os eventos principais nos dão (o protagonista, mais outras 3 relacionadas com a história principal) e ainda várias armas, de todos os tipos, com o nível de 4 estrelas. Existe uma currency in-game que se consegue através dos métodos já enumerados, como a conclusão de missões principais ou sidequests, denominada primogems e, com uma certa quantidade, é possível escolher vários packs que poderão dar ao jogador armas e personagens, ou apenas armas, dependendo do pack escolhido. Estes primogems também podem comprar no jogo uns vouchers que poderão ser trocados pelos mesmos pacotes. Caso se pretenda aumentar as probabilidades e acelerar tudo isto podem ser comprados, com dinheiro real, pontos premium que podem ser trocados pelos tais vouchers. No fundo, Genshin Impact não tem um sistema pay to win, tão associado a jogos do género, pelo que a produtora merece os parabéns por isto. Não se sabe como será no futuro mas o que já está disponível e do modo como o está faz com que todos possam apreciar o jogo na sua totalidade, ainda que com personagens não tão fortes e não tão bem equipadas.

Conclusão:

Mais havia para dizer acerca de Genshin Impact pois trata-se de um jogo com imenso conteúdo e que ainda está nos seus primeiros passos, mas é evidente que se trata de um jogo positivamente surpreendente, lindo visualmente, com uma componente sonora que dá gosto e um sistema de combate, à base dos diversos elements, que é diversificado e bastante divertido. A história é interessante de seguir e muito haverá certamente para contar nos próximos patches estando, por agora, apenas duas grandes cidades disponíveis. Os pop-us do cenário e as quedas de framerate não chegam para manchar um free to play com muito mais conteúdo e qualidade que muitos jogos vendidos a full-price. Para quem apreciar o género action RPG merece, no mínimo, ser experimentado.

 

Genshin Impact foi lançado no dia 28 de Setembro de 2020 para PC, Android, iOS e PlayStation 4, estando já confirmada para mais tarde uma versão Nintendo Switch.