Dentro do mundo Gran Turismo, os fãs nunca chegaram a um consenso sobre qual seria o melhor de sempre, mas as opiniões andam quase sempre em torno dos mesmos dois jogos, Gran Turismo 2 e Gran Turismo 4. No entanto não posso deixar de referir a importância e a qualidade do Gran Turismo 1, que foi inquestionavelmente o mais importante e que revolucionou o género graças à sensação de condução e à diversidade de carros e modificações disponíveis, coisas com que a concorrência nem sonhava na altura.
Se hoje temos jogos de carros tão bons no mercado, especialmente os Forza Motorsport, o eterno rival do lado verde da força, podemos agradecer ao Gran Turismo 1. Ainda assim considero o segundo jogo da franquia o mais completo tendo em conta a plataforma e o ano em que veio ao mundo. Pensem bem, 650 carros e cerca de 30 pistas, condução nocturna, troços de rally, modificações extensas, afinações minuciosas de suspensão, caixa e diferencial, isto tudo em 1999. Tomara muitos jogos em 2021 oferecerem metade do que o GT2 oferecia no final dos anos 90.
A condução, uma das coisas mais importantes nesta franquia que se assume desde sempre como um “simulador”, deve obrigatoriamente ser alvo de melhoria face aos títulos das gerações PS3 e PS4. Se voltarmos aos tempos da PlayStation 1 e 2 e tendo em conta todas as limitações de hardware e software, lembramo-nos certamente como em ambas as gerações os GT ofereciam uma condução razoavelmente realista, onde muitas técnicas de condução reais podiam ser replicadas com sucesso no jogo. No entanto, tanto no GT5 como no GT6, a condução era, a meu ver, pouco realista para os tempos que corriam, quase como se todos os carros tivessem o mesmo comportamento e fossem praticamente imperceptíveis as diferenças entre os mesmos. Para os entusiastas, são coisas que importam bastante, o feedback que o carro nos dá é o que o identifica e nos faz gostar ou não de o conduzir. Independentemente das afinações de suspensão, praticamente todos os carros teimavam em resistir às transferências de peso e era quase impossível causar sobreviragem num carro de tracção dianteira sem recorrer ao travão de mão. Técnicas como trail braking ou lift-off oversteer raramente tinham o efeito desejado. A forma como os pneus lidavam com as forças também não era das melhores, quase como se não houvesse progressividade nas perdas de tracção. É certo que certos carros, e certos tipos de pneu podem ter este comportamento, no entanto, em GT5 e GT6 todos os carros tinham esta tendência, posteriormente melhorada no GT Sport, mas ainda assim está longe do que se espera. Há rumores de que o GT7 irá ter a condução muito semelhante ao GTS, no entanto, se quiserem mesmo voltar à glória de outros tempos, terão que melhorar esse aspecto e acredito genuinamente que o façam.
A lista de carros será outro ponto importantíssimo no sucesso do novo GT. Habituados desde sempre a ter uma lista de carros extensa, os fãs não ficaram muito agradados com a pequena lista de GT Sport no dia do seu lançamento, principalmente quando grande parte consistia em carros Gr3, Gr4 e GrB que “sabiam todos ao mesmo”. Ainda que posteriormente tenham sido adicionados alguns carros de produção bastante valorizados pelos entusiastas, considero que 300 seja um número curto para um Gran Turismo. Os carros presentes na lista são tão ou mais importantes que a quantidade, e a palavra chave aqui é a nostalgia. Ter uma lista de carros que nos faça lembrar das origens da franquia é essencial no sucesso do jogo.
A meio do trailer senti um arrepio ao ver que o Supra e a sua fantástica livery Castrol de JTCC iria estar presente no jogo, e lembrei-me de que foi precisamente com este carro, contando também com a ajuda dos seus rivais Skyline, RX-7 e NSX, que Gran Turismo lançou o JTCC (Japanese Touring Car Championship) para as bocas do mundo. Sem duvida que a rivalidade entre os “quatro samurais” e a própria cultura automóvel japonesa não teria hoje a visibilidade que tem na Europa e América do Norte se não fosse o empurrão dado pelo Gran Turismo. Quantos de nós não sonhámos, e ainda sonhamos, em ter na garagem um desses carros com os quais jogámos horas e horas a fio atrás duma PlayStation? Como proprietário de um Honda Civic VTi de 1993 garanto que após estes anos todos ainda tem o mesmo gosto especial conduzir na vida real o carro que foi grande parte das vezes a primeira compra e companheiro virtual nas dezenas de vezes que fiz restart ao modo carreira. Costumo dizer que Gran Turismo foi o grande responsável pela geração de petrolheads que cresceu nos anos 90 e inícios de 2000 e que mesmo depois de adultos continuam com o mesmo hobby, só que agora na vida real e ligeiramente mais dispendioso. O velho ditado que diz que anos passam e os brinquedos continuam os mesmos, só que maiores, faz afinal todo o sentido.
jogaram, não se assustem! Obviamente que não falo em modificações saídas directamente de uma qualquer página da revista MaxiTuning, nem de todas as “tolices” que vemos em Fast&Furious. GT1 foi o primeiro jogo a oferecer um leque de upgrades vasto, desde converter motores atmosféricos para turbo, stroker kits, suspensões ajustáveis, travagem ajustável, melhoria da rigidez estrutural, redução de peso e por aí adiante. As coisas estavam de tal maneira bem feitas que nem sempre a peça mais cara ou a modificação que “espremia” mais potência do motor era a melhor escolha, e muitas vezes dávamos por nós a ter que fazer um downgrade para conseguir um melhor tempo por volta. Para os que gostam de tudo o que foi dito, descansem, GT7 vai trazer de volta uma lista gigante de modificações, deixando de lado os upgrade levels que simplesmente aumentavam a potência do motor sem qualquer critério ou escolha individual de peças, coisa que para mim foi uma das maiores falhas do GT Sport.
Uma das tendências actuais de todos os jogos de carros é a facilidade com que se progride e a rapidez com que o jogo nos recompensa logo nas primeiras horas, quer pela facilidade em completar os desafios, quer pelas quantidades absurdas de dinheiro e carros de topo que recebemos como recompensa. Para os gamers que jogam de forma casual e não têm grande paixão pelo mundo automóvel admito que a receita possa funcionar, com pouco esforço poder compor uma garagem com super carros de luxo pode ser sem duvida apelativo para esses jogadores, porém num jogo como Gran Turismo e tendo em conta o seu público alvo é algo que não faz sentido nenhum, e volto aqui a fazer uma pequena crítica à forma como GT Sport funciona. Quem se lembra dos primeiros GT certamente sabe o quão mais interessante era começar com um velho Honda Civic ou Toyota Corolla em segunda mão e a pouco e pouco ir progredindo, ganhando alguns créditos para fazer pequenos upgrades e finalmente conseguir ultrapassar o líder do grupo naquela última volta. Até mesmo concluir as licenças a ouro era uma tarefa hercúlea, destinada apenas aos “verdadeiros”, era necessária muita persistência, uma boa análise do percurso para acertar nas linhas e pontos de travagem. É disso que o Gran Turismo 7 precisa, de se guiar pelos velhos pergaminhos da franquia, de nos bombardear com nostalgia, de nos desafiar a cada corrida, ou melhor, a cada curva. Os fãs estão ansiosos por um regresso assim, por um jogo que apesar de acessível a todos, seja capaz de separar os entusiastas dos jogadores casuais. Sei que pode parecer um pouco elitista, mas da mesma maneira que um bom entendedor de futebol me iria humilhar completamente numa carreira de Football Manager, eu espero o mesmo tipo de vantagem num jogo como Gran Turismo 7.
Com tudo isto que aqui vos confessei, já devem ter percebido o quão ansioso estou pelo dia 4 de março de 2022, teria um significado enorme poder voltar a ter a mesma sensação que tive em 1998 quando esperei mais de uma hora numa fila para jogar pela primeira vez Gran Turismo num demo kiosk.
E vocês, o que acham que Gran Turismo 7 nos reserva?
Ver os seus pais a jogar Spy Hunter num Spectrum ZX, é uma das suas memórias mais antigas, e foi precisamente esse momento que fez nascer as suas duas grandes paixões. Sendo um gamer e petrolhead com raízes tão fortes, não consegue viver sem uma boa tarde agarrado a uma das consolas ou computador, ou uma noite bem passada ao volante de um carro enquanto conduz sem destino acompanhado de uma boa banda sonora. Cresceu com jogos de carros como Lotus III, 4D Sports Driving, NQ RAC Rally e claro, Gran Turismo 2. O verdadeiro gosto por outro tipo de jogos apareceu mais tarde, no início dos anos 2000, assim que meteu as mãos numa cópia de Final Fantasy 8, que por sinal ainda hoje é o seu preferido. Desde então é completamente apaixonado por jogos com uma boa narrativa, considera que sagas como Final Fantasy, Kingdom Hearts, Metal Gear Solid, Mass Effect e Life is Strange são autênticas obras de arte.