Lawrence Schick: “Tamriel é um mundo com ampla variedade de pessoas e culturas, qualquer experiência que você procura estará lá em algum lugar”

Entrevista a Lawrence Schick.

(Texto escrito em português do Brasil) Entrevista em inglês aqui

A carreira como escritor do nosso entrevistado começou numa empresa chamada TSR Hobbies no final dos anos 70. Se envolveu a seguir no desenvolvimento e na popularidade inicial do jogo de RPG chamado Dungeons & Dragons que se tornou um best-seller em todo o mundo. No início dos anos 80 começou a trabalhar como designer de jogos e gerente de projetos para empresas de vídeo jogos para computador, com cargos de destaque na Coleco e na MicroProse.

Jogaste Smurf: Rescue no Atari 2600? Tarzan ou Dukes of Hazzard em seu ColecoVision? Airborne Ranger em seu computador C-64? Sim, todos são obras-primas originais suas. Muitos ports de arcade como Zaxxon, Mr. Do e Venture para consoles, também Sword of The Samurai para IBM PC e até o clássico Icebreaker para o 3DO Multimedia System. Kingdoms of Amalur e Elder Scrolls Online para consoles modernos? Sim! A lista de seus trabalhos é interminável e incluem os primórdios da internet como o responsável pelo canal da America Online Games e também como produtor executivo da Magnet Interactive Studios para o desenvolvimento de títulos em CD-ROM. Em 2007 retornou aos jogos de RPG como um dos primeiros designers do que se tornaria  o futuro jogo “Kingdoms of Amalur: Reckoning” e depois colocou sua vasta experiência com jogos online a serviço da ZeniMax Online Studios, onde atuou como “loremaster” no RPG MMO The Elder Scrolls Online.

 

Estamos falando do senhor Lawrence Schick, escritor brilhante que assina uma extensa lista de livros de apoio para vários de seus jogos de computador históricos e por volta de 200 livros dentro do jogo em torno do universo The Elder Scrolls. Se você já jogou algum desses sistemas antigos mencionados acima, jogos de tabuleiro de mesa Dungeon & Dragons ou jogos modernos de consola ou computador como Elder Scrolls e Kingdoms of Amalur, então você se divertiu muito imerso em uma das histórias complexas e surpreendentes que ele projetou. Agora trabalha na Irlanda no Larian Studios como “Narrative Design Expert” no próximo projecto “Baldur’s Gate 3”. Reconhecido como “principal loremaster” no mundo dos RPGs, ele tem vasta experiência em universos ricos e multiculturais e concordou em compartilhar um pouco de sua sabedoria com os leitores do Sidequest. Uma curiosidade: esta é sua primeira entrevista um canal de jogos em língua portuguesa!

SIDEQUEST – Olá Sr. Schick, obrigado por todo o seu trabalho pelo mundo dos jogos clássicos e dos RPGs. Vamos começar assim: sempre gostou de RPGs ou então como começou a se envolver com isso?

LAWRENCE SCHICK – Comecei nos primórdios como jogador de D&D original ou “caixa branca”, co-criando um mundo de campanha de fantasia com meu amigo Tom Moldvay no nordeste de Ohio nos EUA. RPGs combinaram meu interesse em contar histórias com meu interesse em jogos e nós investimos muito tempo e esforço de design em D&D quando deveríamos estar indo para as aulas na Kent State University.

SQ – O senhor contribuiu para a revisão do “AD&D Dungeon Masters Guide” e também é o autor de “White Plume Mountain”, que continua sendo um dos mais famosos de todos os módulos de AD&D já produzidos. Quais foram suas inspirações para editar o guia e depois criar a melhor aventura de todos os tempos? O que te motiva a projetar mundos tão incríveis?

LS – A TSR estava anunciando contratar seu primeiro designer de jogos externo e solicitou um cenário de D&D junto com a aplicação para esse trabalho. “White Plume Mountain” foi o meu cenário de candidatura ao emprego. Gary Gygax decidiu que a TSR iria publicá-lo sem mudar uma palavra e eu consegui o trabalho. Como minha primeira tarefa Gary me entregou seu manuscrito para o 1E “Dungeon Masters Guide” e me disse para editá-lo, organizá-lo e terminar algumas partes. Eu não poderia ter pedido nada melhor!

 

SQ – Ainda joga RPGs, jogos de tabuleiro, jogos de computador ou nas consolas?

LS – Sim ainda jogo em todas essas coisas e crio para elas também. Atualmente estou trabalhando no Baldur’s Gate 3, um videogame que usa as regras da 5a. Edição do D&D e estou muito feliz por trabalhar no D&D novamente depois de 40 anos. Especialmente porque, quando executo esse novo jogo uso as regras da 5ª Edição!

SQ – A MicroProse ainda é uma empresa incrível e tem um ótimo catálogo de jogos. Pode nos contar o quão fixe foi trabalhar com essa empresa e perto de pessoas lendárias como Sid Meier?

LS – Trabalhar com Sid foi ótimo porque ele é um pensador profundo sobre os princípios do design de jogos. Eu aprendi muito e também ensinei a ele sobre RPGs, o que o levou a projetar “Sid Meier’s Pirates!”

SQ – Kingdoms of Amalur foi inicialmente pensado para ser um MMORPG, mas depois foi lançado “single player” com um sistema “cooperativo offline”, pelo trabalho de outros artistas incríveis, como Ken Rolston e Todd McFarlane, por meio de outras empresas. Gostou do resultado final? 

LS – Isso não está exatamente correto: a Big Huge Games estava trabalhando em um RPG single-player com o título provisório de “Ascendant” quando o estúdio foi comprado pela 38 Studios, que estava trabalhando em um MMORPG ambientado no mundo de Amalur. O RPG Big Huge foi renomeado para Kingdoms of Amalur e ambientado no mesmo mundo de fantasia que o MMORPG, mas no final apenas o jogo single-player foi concluído e lançado. Ken Rolston, que também foi o designer-chefe de Morrowind e Oblivion, é na verdade um dos meus amigos mais antigos no ramo de jogos, e fiquei encantado em trabalhar com ele em Kingdoms of Amalur.

SQ – Icebreaker é um jogo incrível para o antigo sistema multimídia 3DO. Havia mais títulos planejados para esse sistema? Como é desenvolver um jogo para uma máquina tão avançada naquela época?

LS – Fui o produtor do Icebreaker pelo Magnet Studio, que foi projetado e programado pelo brilhante Andy Looney, mais tarde criador dos famosos jogos de cartas Fluxx. Tínhamos planejado uma sequência, mas o 3DO não encontrou mercado e basicamente desapareceu, a Magnet passou para outras linhas de negócios.

SQ – As plataformas IBM-PC, Amiga e Macintosh eram computadores com seus fabricantes disputando espaço no gosto dos gamers, além de outros computadores de 8 bits e 16 bits da época. Voltando àqueles dias em que a tecnologia ainda estava nascendo qual o senhor acha que ganharia essa corrida e se tornaria o padrão de hoje, neste caso o IBM-PC?

LS – Eu era um fã do Macintosh, desde seu lançamento inicial em 1983 mas nunca houve dúvida de que o alcance de mercado superior do IBM PC o tornaria a plataforma padrão para jogos de computador, não importa o que nós, fãs do Macintosh, pensássemos. Realisticamente, você tinha que projetar jogos para o IBM PC.

SQ – Sua antiga empresa se chamava Warducks Studios, talvez uma homenagem óbvia ao conhecido personagem de D&D. Podemos dizer que este é o seu favorito?

LS – Surpresa, Warducks não tem o nome de um personagem de RPG, é um pequeno estúdio independente em Dublin que projeta jogos gratuitos para telemóveis. Trabalhei para a Warducks por dois anos, me diverti muito e aprendi muito sobre jogos para celular, mas depois mudei para a empresa Larian e voltei para os RPGs de fantasia. Esse ainda é meu primeiro amor.

 

SQ – Há muito tempo atrás a America Online estava massivamente presente na internet recém-nascida para os usuários domésticos. Como foi fazer parte de um projeto tão grande e ser responsável pela área de jogos?

LS – Foi um período empolgante, minha única diversão em um grande papel de gerenciamento. Com minha experiência em RPGs e jogos de computador, produtor e a minha compreensão de jogos multiplayer, eu era a pessoa certa no momento certo para ajudar a criar as condições nas quais os jogos online poderiam nascer e florescer. Nós popularizamos os jogos casuais e hardcore e fechamos um acordo com a EA que deu ao Ultima Online seu primeiro acesso a um público realmente grande, abrindo caminho para os jogos Everquest e World of Warcraft também seguirem.

 

SQ – The Elders Scrolls Online. Pode nos contar um pouco sobre como é ser o “Loremaster” de um universo com essa dimensão? 

LS – Trabalhei no ESO por mais de nove anos, desde o início até sua popularidade revolucionária, e foi desafiador e nunca menos do que divertido. Os designers da Bethesda Game Studios, que criam os jogos single-player Elder Scrolls, aprenderam que poderiam confiar em mim com a tradição de Tamriel e, com o tempo, ESO expandiu muito esse mundo mostrando muitas regiões que não apareceram no modo single-player. Usei toda a minha experiência com jogos históricos e de fantasia para ajudar a criar um mundo amplo, profundo e rico, o que foi muito gratificante.

SQ – Imagine um recém-chegado ao mundo dos jogos Elder Scrolls, como explicar a esse player todo o vasto universo e o que esperar dessa jornada?

LS – Tamriel é um mundo com ampla variedade de pessoas e culturas, qualquer experiência que você procura estará lá em algum lugar. Além disso é um mundo compartilhado que você ajuda a moldar por suas escolhas, o que você traz para ele é tão importante quanto o que você encontrará lá. Todo mundo que você conhece em Tamriel está totalmente vivo e tem sua história e suas próprias opiniões sobre o mundo, então a melhor coisa que você pode fazer é entrar e começar a conversar com todos. Em breve você estará envolvido em suas histórias e suas aventuras se tornarão suas.

SQ – Parece que o senhor também é um pouco fã de literatura. Além dos livros baseados na obra de Alexandre Dumas os leitores podem esperar mais clássicos?

LS – Atualmente cinco volumes das minhas traduções do “Ciclo dos Mosqueteiros” de Alexandre Dumas estão sendo impressos e ainda faltam mais quatro volumes. Também estou compilando uma história e um guia para filmes de aventuras românticas desde o tempo do cinema mudo até “The Princess Bride”, um livro que será publicado no próximo ano pela Applause Books como “The Cinema of Swords”. Depois disso, outras coisas estão em andamento mas não há nada que eu possa anunciar ainda. A melhor maneira de acompanhar minhas publicações de livros como Lawrence Ellsworth é seguindo o meu sitio electrônico, www.swashbucklingadventures.com.

 

SQ – Para os próximos anos os jogadores podem esperar por enormes universos ou metaversos fantásticos vindos da mente de Lawrence Schick? Como acha que essa nova geração de computadores e consolas pode contribuir para o desenvolvimento de RPGs ainda melhores?

LS – Como mencionado acima estou atualmente a trabalhar de volta nos mundos de D&D, mas nunca sei onde o negócio dos videogames me levará a seguir, muda tão rapidamente. Baldur’s Gate 3 é uma experiência de videogame muito cinematográfica, construída em torno da escolha do jogador e da ampla interatividade, o que contribui para uma narrativa forte com resultados muito diferentes, dependendo da escolha que você faz. Estou animado que a tecnologia possa finalmente suportar uma experiência próxima ao que acontece na sua imaginação quando você está jogando um RPG de mesa com seus amigos.

 

SQ – Por favor, sinta-se à vontade para enviar uma mensagem para os fãs portugueses e mundiais do seu trabalho.

LS – Hoje em dia trabalho para desenvolvedores verdadeiramente internacionais – Larian tem estúdios em todo o mundo – é emocionante e estimulante trabalhar com pessoas extremamente criativas de tantos lugares diferentes. Mostra a importância de criar jogos que possam ser apreciados por pessoas de origens muito diferentes, enfatiza que as pessoas em muitos lugares distantes gostam das mesmas coisas e especialmente quando podem se ver representadas nas histórias dos jogos. E olá, Portugal! Ainda não tive a oportunidade de visitar seu lindo país mas agora que estou bem perto na Irlanda então tenho certeza de que vou vê-lo em breve!

Entrevista em inglês aqui.