Desde o seu anúncio em 2017, tenho estado com bastante atenção e curiosidade sobre qualquer nova informação ou trailer de Atomic Heart. Ficou aparente qual a maior influência em Atomic Heart sendo claramente inspirado em Bioshock. Mas em vez de uma cidade no fundo do oceano ou acima das nuvens, o setting de Atomic Heart é não menos interessante (mesmo que um pouco menos original), uma União Soviética, pós segunda guerra mundial, no meio de uma revolução tecnológica.
A qualidade e influência de Bioshock (e sequelas) no mundo dos videojogos é clara e unânime para qualquer pessoa com conhecimento e interesse na indústria. Mas infelizmente isso não se traduz num grande investimento em jogos como Bioshock, visto que o último jogo do franchise já tem 10 anos. Dessa forma, muita gente, incluindo eu, viu os trailers e gameplay footage com esperança que Atomic Heart fosse um “spiritual sucessor” de Bioshock.
Tendo agora o jogo em mãos, posso dizer que, a promessa de “um novo Bioshock” não se cumpriu, pelo menos não da maneira que gostaria. Não será, talvez, justo comparar Atomic Heart com um dos melhores First Person Shooters de sempre, mas dado a semelhança de alguns aspectos visuais e principalmente mecânicas de gameplay, torna-se muito difícil não o fazer.
A melhor característica de Atomic Heart é sem dúvida a forma como se “apresenta”. A direcção artística, gráficos e conceptualização do setting de uma União Soviética nos anos 50, num auge de evolução militar e tecnológica, em que robots (de vários aspectos e funções) são uma realidade. O jogo começa no meio de uma celebração e desfile militar nas ruas, em que é possível ver interações entre humanos e uma variedade de robots humanóides com algum nível de inteligência artificial. Visualmente é uma introdução ao jogo verdadeiramente impressionante.
Da nossa parte, assumimos o papel do Major Sergei “P-3” Nechaev, que começa com o objectivo de encontrar-se com o seu superior hierárquico, Dmitry Sechenov, o cientista responsável por este incrível progresso tecnológico (derivado da sua descoberta de uma substância chamada Polymer), durante o desfile. A nossa personagem tem ao seu dispor uma luva inteligente (que possui tecnologia inovadora de inteligência artificial de topo e manipulação de Polymer) dada por Sechenov, que fala connosco e nos guia no início do jogo.
Como seria de esperar, algo corre mal, sem querer revelar demasiado da história, os robots tornam-se hostis e passam a encarar todos os humanos como alvo militares. Recebemos ordem de Sechenov, de capturar o traidor responsável por alterar a programação dos robots, que resultou na morte de milhares de pessoas em poucos minutos.
É aí que o jogo começa verdadeiramente, depois de testemunharmos em primeira mão como o sonho de uma utopia tecnológica se desfaz à nossa frente e se torna num pesadelo genocida robótico. A procura pelo nosso alvo leva-nos a uma base científica underground e é a que iremos ficar durante as primeiras horas do jogo. Depois das impressionantes vistas do mundo exterior, torna-se cansativo o tempo em que temos de estar confinados em corredores e salas de betão e pedra. A instalação é bastante grande, com alguma variedade nas diversas áreas, mas estaria a mentir se dissesse que não senti vontade de regressar à superfície muito antes de isso acontecer de facto no jogo. Ainda dentro da base é possível ver o resultado do “apocalipse robot”, com vários corpos de militares e cientistas por todo o lado. Podemos mesmo falar com alguns dos cadáveres, de pessoas que na altura da sua morte estavam ligadas a um aparelho (de seu nome Thought) que regista os seus últimos pensamentos.
Podemos ver e interagir com o elemento Polymer, a substância na gênese do avanço tecnológico, num estado instável, criando “túneis” líquidos suspensos no ar, nos quais podemos entrar e nadar lá dentro, sem risco de sufocar. Estes túneis de Polymer, tornam a navegação mais interessante, pois nalgumas zonas podemos nadar no ar e alcançar uma área muito acima de onde estávamos.
Em termos de gameplay, na minha opinião, Atomic Heart é um chamado “mixed bag”. Além de Bioshock, os gameplay trailers também invocavam jogos como Doom (2016 ou Eternal) e Wolfenstein: The New Order, mas infelizmente não está perto desse nível de qualidade. O combate, apesar de ter uma boa variedade de armas, tem um feeling de leveza com cada disparo ou cada golpe de machado, e nem sempre os inimigos reagem a ser atingidos de forma gratificante.
Podemos também usar a nossa luva falante em combate (e em puzzles), o que nos dá acesso a habilidades semelhantes aos plasmids no Bioshock, como telekinesis, expelir fogo, gelo ou eletricidade da mão; é uma boa adição ao nosso arsenal, mas também sofre de ter um impacto pouco gratificante nos robots que são atingidos, além de ser algo lenta, o que levou muitas vezes à animação da luva ser interrompida quando o ataque seria iniciado. De frisar, a habilidade mais útil e gratificante de usar, para mim, é sem dúvida a de levantar vários inimigos no ar e depois arremessá-los com força contra o chão, never gets old.
Mas por outro lado, fora do combate (e de forma menos significativa), o gameplay tem algumas pequenas inovações interessantes como puder usar a luva para vasculhar o ambiente por itens como um aspirador, não temos assim de perder tanto tempo a abrir caixas e armários como é comum numa variedade de jogos. Esta pequena mecânica é tão boa que espero que seja adaptada no futuro por outros jogos.
Há também uma variedade de minijogos para abrir portas ou fechaduras trancadas, como por exemplo, um em que temos de ligar as luzes do mecanismo como se fosse um rhythm game (estilo guitar hero). Não sendo nada demais, fiquei surpreendido com a variedade e qualidade destes minijogos durante o jogo.
A progressão da história leva-nos de volta à superfície, em que temos um mundo semi aberto, com algumas áreas e objetivos opcionais. Robots inimigos patrulham o mapa, existindo também câmaras e robots voadores que se nos detectarem acionam um alarme com vários níveis semelhante ao wanted level nos jogos GTA. Um nível de alerta elevado resulta em reforços de robots maiores e mais fortes, ou mesmo grandes quantidades a serem transportados pelo ar (por robots voadores) de uma só vez para a nossa localização.
A diversidade de robots é boa, mas é a qualidade da animação que impressiona, especialmente a dos robots maiores e bosses. A forma como se deslocam e a animação do movimento das partes mecânicas, como abrem e fecham, é verdadeiramente fascinante e um dos melhores aspectos do jogo, apesar de por vezes ser mais interessante observar estes robots do que propriamente combatê-los.
Relativamente à banda sonora, é mais uma victória para Mick Gordon, prolífico compositor de bandas sonoras para jogos. Comparações com o trabalho que fez em Doom ou Doom Eternal são inevitáveis mas a banda sonora de Atomic Heart é bastante diferente, um som mais desconcertante e com foco mais eletrônico em vez do metal bombástico de Doom, o que é bastante apropriado, mas continua a ser dinâmica e adaptado-se ao que está a acontecer naquele momento no jogo.
Voltando ao nosso protagonista, Major Sergei “P-3” Nechaev, geralmente não sou fã de protagonistas silenciosos, algo que é comum em jogos FPS (Bioshock, Half-Life, etc) mas neste jogo seria preferível que tivessem optado por isso. O Major Sergei é unlikable desde o 1º minuto, arrogante e com pretensões de superioridade para com todos à sua volta, principalmente com a sua luva inteligente (muito provavelmente a responsável por não ter morrido logo no início do jogo). É um herói de filme de acção dos anos oitenta, mas com zero carisma e self awareness. Não é o 1º protagonista deste gênero que vemos num jogo, mas espero que seja o último. É francamente mau.
O protagonista funciona como sintoma, para mim, do maior problema de Atomic Heart: o fraco aproveitamento do mundo e setting para contar uma história interessante. De toda a imaginação que o jogo tem na forma como apresenta a sua versão de uma União Soviética nos anos 50, no meio de uma revolução tecnológica, pouco ou nada tem a dizer sobre isso para lá do superficial. Temas como inteligência artificial, ligação entre máquina e humano ou transumanismo são mencionados, mas não há nenhum tipo de aprofundamento ou reflexão sobre estas ideias. Por vezes é isso que separa os bons jogos dos melhores jogos. É o que, para mim, separa um Atomic Heart de um Bioshock.
Conclusão:
Atomic Heart faz o suficiente para ser um jogo acima da média. Tem uma apresentação fenomenal e imaginativa, óptima banda sonora, com gameplay dividido entre algumas ideias interessantes e um gunplay razoável. No entanto, tem uma história simples com pouco para dizer de relevante e um péssimo protagonista.