Split Fiction é o novo jogo da Hazelight Studios, que se afirma como estúdio de referência para jogos cooperativos, depois do premiado It Takes Two.
Estou sempre atento a novos videojogos com modo cooperativo local. Quem vive com outra pessoa que partilha do mesmo entusiasmo por videojogos, sabe dar valor a esta espécie rara no mercado. Como escrevi há algum tempo, num lamento e análise à falta de investimento dos estúdios em jogos que permitam partilhar a experiência sentados lado a lado, não é fácil encontrar jogos construídos a pensar num modo multi-jogador local. Existem imensos jogos multi-jogador online, mas que depois não permitem partilhar a experiência com alguém que está fisicamente ao nosso lado. A Hazelight Studios foca-se em oferecer aos jogadores uma experiência partilhada rica, através de jogos pensados exclusivamente para serem jogados a dois.
Quando disse à minha mulher que precisava de ajuda para analisar um jogo cooperativo, ela ficou contente mas algo cautelosa. Fruto da escassez de oferta que já referi, juntamente com a sua extraordinária qualidade, vivemos obsecadamente imersos em Baldur’s Gate 3 desde o seu lançamento, há mais de ano e meio. Se, por um lado, experimentar algo novo é entusiasmante, por outro, fazer uma pausa no conforto de BG3 custa um pouco. Depois das duas primeiras sessões de Split Fiction, era já a minha mulher a escolhê-lo para jogarmos.
Com Split Fiction, a Hazelight Studios mais uma vez elevou o nível do que uma experiência de jogo partilhada pode ser. Com uma história interessante, personagens protagonistas com arcos de desenvolvimento consistentes e pura criatividade na jogabilidade, Split Fiction faz jus ao hype do seu antecessor e vai mais além. Certamente é um jogo mais desafiante, quando comparando com o acessível It Takes Two, mas a dificuldade não impede Split Fiction de se tornar um novo paradigma para os jogos cooperativos, antes pelo contrário.
Saltar entre a Fantasia e a Ficção Científica
Split Fiction acompanha Mio e Zoe, duas escritoras à procura de um impulso nas suas carreiras. Quando a editora Rader Publishing as convida, juntamente com outros escritores, para participar num teste de uma nova tecnologia que coloca os autores dentro de suas próprias histórias, aceitam com a esperança de publicar o seu trabalho, sendo a oportunidade que tanto procuravam.
Zoe é uma escritora de fantasia muito otimista, sonhadora, algo ingénua e que fala pelos cotovelos, enquanto que Mio escreve ficção científica, é cautelosa, desconfiada, um pouco rabugenta e mais reservada. Duas protagonistas que são o completo oposto uma da outra, com potencial para se odiarem mas a terem de trabalhar em conjunto está longe de ser uma premissa original. No momento que me apercebi deste choque de personalidades das nossas protagonistas, não consegui conter um “clássico” a sair da minha boca. Contudo, verdade seja dita, esta fórmula funciona bastante bem em Split Fiction, produzindo vários momentos que nos deixam com um sorriso nos lábios.
É a natureza desconfiada de Mio que gera o evento catalizador para o nosso jogo. Ao suspeitar de algo errado (e com razão) quando todos os escritores estão a ser ligados à máquina que os levará para dentro da sua história, tenta fugir e acaba presa na mesma capsula que Zoe. A partir daqui entramos nas histórias das nossas protagonistas, num momento saltando de carro em carro voador, numa cidade cyberpunk que mistura 5º Elemento, Blade Runner e Tron, para de seguida sermos metamorfos numa selva luxuriante com o poder de nos transformar em diferentes animais.
Os saltos constantes entre os géneros Fantasia e Ficção Científica são a grande receita para a imersão neste jogo, empurrando-nos para ambientes tão diferentes como interessantes em cada secção do jogo. E à medida que vamos explorando estas histórias de Mio e Zoe, vamos também descobrindo quem elas são como pessoas, a sua bagagem emocional e o que as moveu a aceitar o convite da Rader Publishing. Começamos a criar grande empatia com as personagens e a narrativa compele-nos a querer jogar e descobrir mais.
Criatividade sem limites nos mecanismos de jogo
Onde Split Fiction realmente brilha é na jogabilidade. É um jogo de plataformas de ação que mistura combate, condução, puzzles e muito mais, de uma forma tão dinâmica quanto surpreendente. Assim como It Takes Two e A Way Out, a cooperação é o centro da nossa experiência. E a variedade de ideias introduzidas ao longo da campanha de Split Fiction para explorar a cooperação entre jogadores é impressionante.
A cada secção de jogo, a Hazelight Studios introduz-nos novas mecânicas de jogo para explorar, potenciando divertidas e criativas interações entre as nossas protagonistas, de forma a ultrapassarem os desafios com que se deparam. E antes que cada mecanismo se torne repetitivo, o jogo substitui-o por algo novo e refrescante. E cada nova ideia faz sentido naquele momento do jogo, casando harmoniosamente com a história. Nunca senti que tivesse a ser bombardeado de mecanismos novos injustificados. Split Fiction presenteia-nos com um constante estado de descoberta e novidade, que nos agarra e cativa a querer continuar a jogar. E mesmo que algum dos mecanismos não nos agrade, isso não se torna um problema, pois sabemos que rapidamente será substituído por outro. A minha mulher, por exemplo, não gosta nem é muito capacitada para momentos de jogo que envolvam condução. Demorámos um pouco mais a ultrapassar essa secção, mas nunca sequer estivemos perto do ponto de saturação do mecanismo.
Em alguns momentos somos levados a fazer um desvio das histórias principais e a explorar algumas histórias paralelas, ao estilo de sidequest. Cada história paralela corresponde a uma experiência de escrita mais alternativa das nossas protagonistas e apresenta-nos ideias únicas e tresloucadas. É aqui que a Hazelight Studios desliga o chip da auto-censura e solta a criatividade ao máximo, em momentos de puro experimentalismo. Por exemplo, em determinado momento, entramos numa história que Zoe escreveu quando era mais nova, em que os jogadores controlam dois porcos à procura de maçãs para entregar a portas mágicas, de forma a que se abram e permitam a progressão, sendo o superpoder de um deles uma flatulência poderosa que permite saltar grandes distâncias e o de outro o poder esticar-se como uma mola. O desfecho desse curto episódio deixou-me a gargalhar no sofá e, como é natural, não vou aqui revelar, deixando para a vossa descoberta. São momentos que não podem ser levados a sério e que pincelam este jogo de alguns momentos mais leves, para respirar da narrativa principal.
Split Fiction é desafiante para os jogadores, quando comparado com os seus antecessores da Hazelight Studios. Vários momentos do jogo tivemos de repetir até conseguir superar o desafio. Vejo esse incremento de dificuldade com bons olhos, pois parece-me conseguir encontrar um bom ponto de equilíbrio entre os jogadores menos experientes e os que gostam de sentir que precisam de dar o melhor de si para conseguir progredir. E nunca senti que pudesse gerar qualquer tipo de frustração, até porque o jogo faz um bom trabalho na gestão de auto-saves e nunca temos de voltar muito atrás quando algo dá para o torto. Mesmo no combate com um boss o jogo divide-o em várias fases e só temos de regressar ao início da fase em que perdemos.
Sentimo-nos sempre preenchidos e satisfeitos no final de cada sessão de jogo. Como quando vamos ver uma peça de teatro e conseguimos sentir que os atores se divertiram em cima do palco tanto quanto nós, público, a assistir na plateia, em Split Fiction parece que conseguimos sentir o quanto os desenvolvedores se devem ter divertido no processo de criação das ideias e mecanismos do jogo.
Conclusão
Pros
- A jogabilidade é rápida, divertida e variada
- A criatividade e inteligência dos mecanismos de jogo
- A forma como nos faz viajar entre a Fantasia e Ficção Científica
- Mio e Zoe crescem em nós ao longo do jogo enquanto protagonistas
Cons
- A narrativa pode sentir-se algo clichê em alguns momentos

Começou a jogar ainda os jogos se carregavam a partir de uma cassete de fita magnética. Completamente viciado em FIFA, é também fã incondicional de RPGs e Jogos de Estratégia. Junta, aos videojogos, a paixão pelos jogos de tabuleiro.