Clair Obscur: Expedition 33 - destaque

Clair Obscur: Expedition 33 | Análise

Clair Obscur: Expedition 33 é uma carta de amor aos JRPG´s clássicos que é ao mesmo tempo disruptivo para o género, atraente pela sua belíssima estética e o seu sistema de combate viciante. Teremos aqui um dos melhores jogos de 2025?

Este belo jogo é francês na sua estética visual, como se pode ver no seu cenário vitoriano, na sua banda sonora (quem gosta de ópera vai amar certamente) e até numa história com reflexões sobre a arte. Clair Obscur: Expedition 33 é um videojogo com combates por turnos, mas reinterpreta-o, dando-lhe dinamismo e um sabor mais típico de um Sekiro do que de um Dragon Quest. O jogo do estúdio francês da Sandfall Interactive teve muita ambição, tanto na fidelidade visual, tanto como no elenco de atores selecionados para darem voz aos personagens.

Na minha modesta opinião, o estúdio francês bem pode estar orgulhoso do que criou. Mas também é verdade que podiam ter ido mais além em alguns detalhes, principalmente num: a história. A premissa inicial parece-nos poderosíssima é um facto. Neste mundo fictício de ambientação vitoriana, com magia, com monstros estranhos e com aliados com muito carisma, a grande ameaça é a Paintresse.

Há décadas, o mundo sofreu um Cataclismo e aqueles que sobreviveram habitam em Lumiére, uma espécie de Paris em ruínas. Os habitantes têm uma vida efémera, sem futuro e que levanta dilemas morais interessantes. Desde o incidente, a Paintresse pinta no monólito que se vê ao longe um número, descendente a cada ano. Esse número reduz a idade vital máxima e quem ultrapassa essa cifra, simplesmente morre. A sociedade habituou-se assim a viver (ou a sobreviver melhor dizendo) sabendo que têm uma “data de validade” e que tudo acaba mal chegue o número maldito.

Alguns tentam combater a situação. Dezenas de expedições daqueles que estão no seu último ano de vida aventuraram-se no Continente, repleto de perigos desconhecidos, para caçar a vilã ou, pelo menos, registar conhecimentos que possam ser úteis para as expedições que vão chegar depois.

Clair Obscur: Expedition 33 - screen 1

É aqui que vamos entrar em ação, com os bravos homens e mulheres da Expedição 33, gente para quem a velhice não existe e que deixarão de existir antes de verem os filhos irem à escola. Uma geração pessimista, carregada, sobre cujos ombros recai a responsabilidade de que em poucos anos exista sequer a adolescência, a infância, a vida normal conforme ela devia existir. Nas suas primeiras horas, Clair Obscur: Expedition 33 toca de forma superficial num monte de ideias interessantes, para além do próprio mistério de porque raio está a acontecer tudo isto e quem é a Paintresse, algo que também é deveras atrativo.

Será uma boa ideia ter filhos neste mundo condenado, sabendo que os vais ter que abandonar pouco depois de os conhecer? Devemos obrigar aqueles que estão no seu último ano de vida a sacrificar-se por uma causa na qual tantos outros falharam? Como se organiza e mantém uma sociedade onde a cada ano desaparecem os mais experientes, aqueles que mais viveram.

Infelizmente, após várias reviravoltas de enredo que pretendem ser impactantes e que não funcionaram para nós, as perguntas que o jogo levanta são outras. Parece que mudaram uma história por outra menos interessante, sem terminar de contar a anterior. Acaba por ser um argumento sobre a família e o trauma que a perda gera, com alguma reflexão superficial sobre a nossa relação com a arte e a criação, e com simbolismos muito grosseiros. O enredo transforma-se numa história de temas batidos, uma daquelas que querem que nos emocionemos a toda a hora, que sintas muito, onde os personagens soluçam, chorem e gritem constantemente. O problema é que esses personagens, por muita expressividade que mostrem nas cenas cinematográficas, não nos importam absolutamente nada. Não importam quais os seus objetivos, nem o seu passado nem o seu futuro, porque simplesmente não houve grande espaço para aprofundar tudo isso.

Clair Obscur: Expedition 33 - gameplay

Afinal de contas, num jogo cuja história pode ser completada em cerca de 30 horas, mudarem a meio a premissa inicial, não acho que seja grande ideia. Confesso que isso provocou-me uma desconexão emocional com o que nos contam, pois o que eu queria era que tivessem mantido a temática inicial.

Sempre que se abordava de forma paralela as potentes ideias da premissa com a história parte, imaginei que este era um videojogo muito mais interessante do que acabou por ser. Isso não tira o facto de haver alguns momentos memoráveis, referências curiosas a clássicos do JRPG e várias situações épicas, sobretudo pela sua potência conceptual e visual. No entanto, a sensação que deixa, para além do potencial desperdiçado, é que nos contaram de forma complicada uma história simples e pretensiosa.

O que é certo é que a história avança a todo o gás, onde não param de acontecer coisas. E embora tenhas a possibilidade de “te perder” um pouco, o jogo é linear, algo que se agradece se estás saturado de mundos abertos intermináveis. Há um mapa pois claro, o Continente, que é mais uma referência ao RPG clássico japonês do que um mundo para explorar ao estilo de, por exemplo, recente remake de Dragon Quest III. Nele encontramos algumas localizações opcionais com histórias secundárias, combates desafiadores, alguns minijogos interessantes e Bosses que nos vão dar uma verdadeira dor de cabeça. Além disso, o mundo abre-se bastante na fase final da aventura, permitindo o acesso a lugares que a trama principal não cobre, onde se desenvolvem os antecedentes de alguns personagens importantes e onde nos esperam diversos perigos.

Expedition 33 - VS BOSS

E o que dizer do grafismo?! Artisticamente o design de cada stage está simplesmente fantástico e a sua estrutura funciona. Ao longo de cada nível vamos encontrar bandeiras com o símbolo da Expedition 33 que se comportam de maneira semelhante às fogueiras que encontramos nos jogos Souls. É aqui que melhoramos atributos, desbloqueamos habilidades, usamos o fast travel para outras bandeiras ou para o Continente e descansamos para restaurar as poções que usamos dentro e fora dos combates.

Salvo por alguma cidade com vendedores e personagens com quem podemos ter conversas na sua maior parte fúteis (verdade seja dita), a maioria dos níveis propõe uma sucessão de combates se chegar ao Boss. Aqui está, junto com a atmosfera e a ambientação, o melhor de Clair Obscur: Expedition 33. O combate por turnos leva mais longe o dinamismo e a apresentação espetacular dos confrontos de jogos como Persona 5 ou Metaphor: ReFantazio. Porque sim, são turnos, mas também é ação, uma aposta arriscada que me conquistou, mas que também irá ser alvo de criticas para os fãs de jogos turn based.

Nos combates vamos ver que o “trabalho de casa” ficou muitíssimo bem feito, pois parte de uma fórmula com eficácia comprovada: o sistema de afinidades e fraquezas elementares e a gestão de pontos de habilidade vistos, por exemplo, nos títulos Shin Megami Tensei. A isso junta-se o facto de que cada um dos personagens que adicionamos ao grupo (seis no total dos quais podemos ter três ativos), se comportam de forma muito diferente, quase como se viessem de videojogos distintos. Temos por exemplo um elemento do grupo que usa ataques de diferentes tipos (elétrico, fogo, gelo, etc) que potenciam outras magias ou ainda um outro elemento do grupo que muda de postura após atacar que, por sua vez, mudam conforme a sua posição. Este são apenas dois exemplos, pois existem mecânicas ainda mais curiosas para descobrir no jogo.

Clair Obscur: Expedition 33 - gameplay 2

A isso deve-se ainda somar a personalização dos personagens, cujo comportamento pode variar bastante tanto com a sua árvore de habilidades, como com as armas que lhes equipamos, mas, sobretudo, com o sistema de Luminas e Pictos. Podemos equipar três Pictos ao mesmo tempo, que dão bonificações passivas (mais saúde, mais possibilidade de danos crítico, etc.) e uma habilidade passiva, como ter um turno extra após realizar um ataque básico ou ganhar pontos de ação ao bloquear.

A essência está que, após várias batalhas com um Picto equipado, a sua habilidade é desbloqueada para equipar como Lumina. À medida que a aventura avança, podemos equipar cada vez mais Luminas, e embora seja verdade que há algumas que são quase obrigatórias, é uma mecânica que consegue fazer com que os personagens sejam muito maleáveis sem perder a sua identidade principal.

Tudo isto junto que faz com que os confrontos sejam originais e muito estimulantes, pois não são combates por turnos habituais. A estratégia fora e dentro da batalha é importante, mas ainda mais importante são as habilidades e os reflexos. As magias são mais eficazes se acertarmos os QTE que aparecem e os ataques dos inimigos podem ser esquivados ou bloqueados. Existe mais facilidade para se esquivar (pelo menos para mim), mas o bloqueio pode resultar em contra-ataques (individuais ou em grupo) que infringem muitos danos, mesmo mais do que os próprios ataques dos nossos heróis, tornando-se fundamentais contra inimigos com mais poder.

Além disso, embora no início o jogo seja mais permissivo, com o desenrolar da história o jogo começa a revelar a sua verdadeira face, pois os inimigos conseguem acabar com a nossa vida em dois ou três golpes, por isso aprender os seus padrões de ataque para os bloquear com eficácia é fundamental.

Expedition 33 - voice actors

Outro trabalho muito bem feito pelo estúdio francês está na banda sonora. Aqui ouvimos temas que parecem retirados de uma ópera francesa enquanto enfrentamos todo o tipo de inimigos. Portanto vão poder ouvir composições onde predominam os instrumentos de corda ou que, de repente, misturam a música clássica com o techno ambiental. Estamos assim perante um jogo com um trabalho invejável a nível sonoro, digno de uma superprodução. Um exemplo disso também é o seu elenco de atores de dobragem em inglês, onde vamos encontrar o talento de Charlie Cox, Andy Serkis, Ben Starr, Devora Wilde, Kirsty Rider e Jennifer English, entre outros.

Conclusão

Prós

  • Belissimo grafismo
  • Banda sonora de luxo
  • Sistema de combates muito bem conseguido
  • Boss fights extremamente desafiadoras

Contras

  • História cativa no inicio, mas perde um pouco de chama a meio do jogo
  • O mapa do Continente poderia ter mais atividades para se realizar

Clair Obscur: Expedition 33 é um JRPG original e atraente em todos os seus aspetos, ousado e diria valente até. É uma pena que a história perca a 'chama' a meio do caminho, que descarte os problemas interessantes que parecia que iria abordar e se concentre numa trama diferente, menos entusiasmante, que tenta sem sucesso, fazer-nos importar com personagens que não conseguiu definir bem. Graficamente belíssimo e requintado (o mesmo se pode dizer do trabalho sonoro), temos aqui um jogo que surpreende, encanta e cativa, que certamente irá agradar aos fãs de jogos turn based (e não só). Este é seguramente um dos videojogos com mais identidade e personalidade que joguei em 2025