Suzerain é mais que um simulador político: é vestir o fato completo de um presidente, com todas as complexidades de conflitos de ideologia, jogos de bastidores políticos e vida pessoal.
Estamos em 1953, Sordland é um país fictício, recentemente saído de uma ditadura de 20 anos e de uma guerra civil. A economia está em recessão e o orçamento disponível no limiar do zero. Todos os ministros pedem mais fundos para resolver problemas estruturais gravíssimos. Uma crise entre nacionalistas de direita e activistas de esquerda escala em violência, ameaçando uma guerra civil. Um vizinho expansionista mostra preocupantes sinais de actividade militar. No meio disto, um decreto de lei a promover os direitos dos trabalhadores, mas implicando um maior esforço económico, precisa de ser aprovado ou vetado.
Como pode um Presidente resolver todos estes e outros desafios? Neste jogo, desenvolvido pela Torpor Games, somos Anton Rayne, o novo presidente eleito de Sordland.
Suzerain apresenta uma mistura interessante de mecânicas, mas é, na sua essência, um escolha a sua própria aventura, baseado em texto. O jogo consiste em fazer escolhas, à medida que nos vão sendo apresentadas, baseadas nos nossos objectivos e ambições para o país. Queremos promover um mercado livre ou manter tudo sobre o controlo do estado? Queremos recuperar as zonas agriculturais mais pobres ou oferecer mais e melhores condições para o desenvolvimento industrial? Queremos dar maior liberdade democrática ao país ou aumentar a concentração de poderes no presidente? Queremos reformar a educação ou manter o seu formato conservador? Ou… queremos permitir que a nossa mulher faça um discurso em prol dos direitos da mulheres, no lugar de um conceituado general que nos traria favores políticos?
Sim, vestimos não só o fato do presidente, como o seu roupão. Suzerain pede-nos para guiar Anton Rayne, não só como líder de uma nação, mas também como marido, pai e amigo. Naturalmente que o foco do jogo está no que conseguimos fazer no nosso mandato como presidente, mas os momentos de vida pessoal, com que pontualmente nos deparamos, quebram o distanciamento racional de um jogo de estratégia e levam-nos a viver o personagem como num RPG. Lembro-me, de imediato, da série Sobrevivente Designado, em que Kiefer Suderland é o presidente dos Estados Unidos e acompanhamos toda a resolução de crises do país e jogos de bastidores, bem como conflitos interiores e vida familiar.
Começamos por definir um passado para o nosso Presidente Rayne, escolhendo como passou a juventude, lidou com a realidade política do país e se definiu ideologicamente, bem como definindo as nossas promessas eleitorais. Estas escolhas não são vinculativas, continuamos a poder tomar todo o leque de decisões, mesmo que contrariando as nossas ideias iniciais, mas são recorrentemente referenciadas ao longo do jogo.
Suzerain desenrola-se através de conversas extensas com inúmeras pessoas, sobretudo membros do executivo e conselheiros políticos, mas também muitos outros personagens. Cada conversa e cada escolha impacta o universo geopolítico do jogo e a forma como somos percepcionados pelos outros.
E o jogo oferece-nos muita informação, para tomarmos as nossas decisões de forma consciente. Sordland tem um passado que é importante conhecer, de forma a melhor o guiar para o futuro. Os nossos vizinhos têm também uma história e agenda próprias. As fações partidárias também. Cada personagem tem a sua história pessoal. Felizmente, Suzerain tem um wiki que é facilmente acessível a qualquer momento, mesmo no meio de uma conversa, para relembrar algo que nos escapa.
E encontrar soluções e decidir que medidas a implementar é extraordinariamente envolvente. Os nossos conselheiros têm personalidades fortes e ideologias e prioridades próprias. Os líderes de outros países fazem esquemas de acordo com a sua agenda. As diversas fações lutam por poder. Temos de ler muitos detalhes e escolher bem as nossas respostas, de forma a usar, da melhor forma, os escassos recursos ao nosso dispor. Não nos podemos esquecer: no meio de todos os (muitos) problemas ficcionais que Sordland atravessa, há uma recessão económica para resolver.
O jogo requer uma enorme quantidade de leitura, mas a escrita está soberba. A Torpor Games está de parabéns pelo que aqui conseguiu. Aquele efeito clássico do just one more turn, celebrizado pelo Civilization, bateu-me forte neste jogo. Tão envolvido estava no personagem de Anton Rayne que dei por mim a pensar “só mais esta reunião”… E sentimos verdadeiramente os dilemas pessoais do nosso personagem, as suas ânsias e dificuldades. Congratulamo-nos quando as coisas correm bem e estamos sempre a querer avançar para perceber o impacto das nossas decisões.
A jogabilidade em si, é bastante simples, dependendo de facto do desenrolar de texto. Temos um mapa do país, com as suas várias cidades e com os nossos vizinhos. Ícones de relatórios ou pontos de exclamação, representando situações onde a nossa interação é necessária para o desenrolar do jogo, vão aparecendo sobre o mapa. Clicar neles, expande as informações respectivas ou despoleta o momento narrativo associado.
No topo, o estado da nossa economia, dos fundos do governo e do nosso capital pessoal são graficamente apresentados. Tenho pena que estas variáveis sejam tão limitadas. Gostava de ter outros recursos/ferramentas com que trabalhar, além do orçamento e dos fundos pessoais. Não sei bem como, mas talvez ter variáveis como credibilidade política ou apoio popular…
Os visuais são um pouco estáticos, tal como é a música de fundo. Cheguei a jogar Suzerain com o som desligado por completo. É, de facto, da narrativa que este jogo vive e, felizmente, esta está extraordinária e cativante.
Conclusão:
Suzerain é um jogo de nicho. Requer algum gosto pela leitura para ser apreciado e a temática não é claramente para todos. Contudo, não é preciso viver a política para se gostar deste jogo. A narrativa envolve-nos brilhantemente no papel do Presidente Rayne, não só da esfera política e governamental, como também na esfera pessoal. Aquele bichinho do “E se eu estivesse no poder, como conseguiria safar-me?” vai levar muitos jogadores a gostarem de Suzerain. Guiar o mandato presidencial, enfrentando tantos desafios, torna-se entusiasmante. A qualidade de escrita e a construção de personagens e do universo ficcional, por parte da Torpor Games, é fenomenal. O jogo merecia, contudo, um outro interface mais apelativo, que oferecesse uma experiência de jogo, mesmo que centrada no texto, menos estática. O meu concelho é que não se deixem intimidar por estas questões, pois Suzerain é uma experiência que recomendo.
Começou a jogar ainda os jogos se carregavam a partir de uma cassete de fita magnética. Completamente viciado em FIFA, é também fã incondicional de RPGs e Jogos de Estratégia. Junta, aos videojogos, a paixão pelos jogos de tabuleiro.