Gran Turismo 7 chegou para mostrar que depois de uns longos anos de dormência, a franquia GT está de volta às pistas e pronta para disputar novamente o primeiro lugar.
O dia 4 de Março de 2022 começou cedo, a chegada de uma encomenda muito especial fez-me levantar da cama de primeira a fundo, fazer um drift pelo corredor ainda meio a dormir e por à prova a capacidade de travagem das pantufas cá de casa para não esbarrar com a porta da rua. O entusiasmo era tanto que até a senhora das entregas ficou surpreendida de me ver em tal estado, “nossa, estava mesmo à espera desta encomenda não estava?”, ao qual eu respondo, ainda despenteado e com cara de sono, “Claro, não sabe que dia é hoje? Hoje é dia de Gran Turismo“.
Em poucos minutos estava o PlaySeat em frente à televisão, e enquanto o jogo instalava e fazia os updates habituais, pensava em tudo o que tinha escrito aqui e no quão certo eu queria estar acerca de tudo o que previ e desejei para este jogo. Tenho sido questionado por muita gente sobre alguns dos aspectos principais, mas a principal questão tem sido: “e então, afinal o Gran Turismo 7 trouxe de volta aquele feeling de antigamente ou não?”. Neste artigo irei finalmente responder a essa pergunta e viajar um pouco pelo novo mundo de Gran Turismo 7.
Assim que arrancamos o jogo, somos abençoados com uma belíssima introdução, uma das melhores que me lembro na história dos videojogos, uma homenagem à cultura automóvel e uma viagem que realça alguns dos momentos mais importantes e marcantes da história da humanidade. A franquia GT sempre nos habituou a boas Intros, mas nota-se que com Gran Turismo 7 houve uma atenção especial, um cuidado para com os fãs que valorizam estes detalhes.
O impacto visual quando entramos no menu inicial é enorme, um verdadeiro showoff gráfico, mas que apesar de complexo nos faz lembrar os menus dos jogos mais antigos da franquia! Lembram-se do mapa com as várias cidades que tantas horas vimos no velhinho Gran Turismo 2 da PlayStation 1? Um dos muitos locais que nos irão dar um boost nostálgico ao longo desta viagem, e ponto de partida que escolhi para uma visita guiada ao novo mundo de Gran Turismo 7.
1 – Café
Uma das novidades de Gran Turismo 7 é o Café, um espaço dedicado a convívio, histórias sobre carros, desafios e algumas recompensas. Um dos grandes prazeres dos entusiastas do mundo automóvel sempre foi passar umas boas horas no café com os amigos enquanto contamos algumas histórias relacionadas com os nossos companheiros de quatro rodas. Os criadores de Gran Turismo 7 decidiram importar essa tendência moderna também para o seu novo jogo e criaram este espaço, que serve de hub central para quase todas as actividades em que vamos participando ao longo do jogo. Quase como um assistente, este espaço vai-nos dando indicações, novos desafios, chamados Menu Books, e à medida que os completamos vamos recebendo recompensas e desbloqueando novos locais na nossa cidade de Gran Turismo.
Temos também a hipótese de conhecer mais sobre alguns carros, através de pequenas histórias que nos vão sendo contadas sempre que completamos um objectivo, histórias estas sobre rivalidades entre modelos, cultura popular ou marcos históricos no mundo da competição. Sem dúvida, uma excelente maneira de dar a conhecer melhor o mundo dos automóveis e fazer chegar esta paixão a outras pessoas que não apenas os entusiastas.
Apesar de achar bastante interessante este conceito, porque nos dá, efectivamente, um objectivo, não posso deixar de demonstrar o meu desagrado com a maneira invasiva como os desafios condicionam as nossas decisões no jogo e também o quão fáceis são de completar. Nos antigos GT estávamos por nossa conta, havia uma liberdade de movimentos e cada um começava a jornada da forma que mais lhe agradava, aqui temos um guião para seguir e não podemos fugir dele porque é desta forma que vamos desbloqueando conteúdo no jogo. Por cada Menu Book completado desbloqueamos pistas ou áreas novas na cidade, portanto o jogo obriga-nos a seguir este caminho. Por cada corrida que completamos somos recompensados com uma quantidade desproporcional de prémios, tanto em créditos como carros para a nossa garagem. Um dos exemplos que escolhi foram os desafios de Colecção, onde recebemos uma lista de três carros, todos eles relacionados com um tema em comum, e somos guiados directamente para as corridas que temos que fazer para os receber como recompensa. O problema aqui, volto a referir, é a facilidade com que se completam, bastando apenas um fácil terceiro lugar na tabela para sermos recompensados com um carro consideravelmente rápido. Além disto temos também os Daily Workouts, também estes já conhecidos do GT Sport, que são desafios diários que completamos para receber créditos, peças ou carros. Mais uma vez o jogo atira-nos recompensas por tarefas mínimas que exigem pouco esforço. Gostaria que a dificuldade fosse acrescida, de forma a tornar a experiência mais desafiante e aumentar a longevidade do jogo. Como disse no artigo anterior, um dos maiores prazeres dos fãs de GT sempre foi começar do zero, ter de lutar por um lugar na tabela com um carro simples, e aos poucos ir conseguindo melhores carros ou modificações para nos ajudar a conseguir melhores tempos por volta. Aqui, não existe esse desafio, em 30 minutos de jogo temos 300.000 créditos na carteira e uma garagem cheia de carros já bastante rápidos. A ideia do Café foi genial, mas a execução deveria, a meu ver, ter sido mais bem pensada, ou em alternativa haver um modo de dificuldade acrescida opcional para os que como eu, preferem um desafio mais sério.
2 – As Licenças e Missões estão de volta!
As licenças sempre foram um dos cartões de visita dos Gran Turismo ao longo da história, uma forma de ensinar aos jogadores as regras básicas da condução, e obrigá-los a dominar pontos de travagem, linhas, e conhecer as diferenças a nível dinâmico entre carros com diferentes eixos motrizes. Estou genuinamente feliz com o regresso das licenças, mas mais uma vez destaco a baixa dificuldade das mesmas. Existem efetivamente licenças difíceis de completar com ouro, mas a maioria não exigem tempos muito difíceis de conseguir, arrisco até a dizer que muitas das vezes é possível conseguir o ouro à primeira tentativa, permitindo aos jogadores cometer erros, ainda que mínimos e mesmo assim serem recompensados com o que deveria ser uma execução perfeita de uma tarefa. Mas no geral fiquei bastante satisfeito com a inclusão das licenças, uma tradição que faz parte da franquia não poderia ficar de fora.
As Missões também estão presentes, também elas já conhecidas, irão desafiar o jogador a tentar ultrapassar alguns carros em pequenos troços geralmente bastante técnicos, dentro de um tempo limite. Também algumas destas são extremamente fáceis de terminar com ouro, mas tenho que admitir que algumas me deram imenso trabalho, mais até que as Licenças.
3 – Carros
Com uma lista de carros razoável, o Gran Turismo 7 oferece-nos a possibilidade de conduzir mais de 400 carros de diversas épocas e categorias, excepcionalmente bem detalhados, e com som de motor e escape a condizer. É uma lista que, embora menor que nos jogos anteriores, nos irá deliciar durante horas a fio. Ainda assim, existem certos carros que não foram incluídos e que teriam feito as delícias dos entusiastas dos anos 90, nomes como Honda CRX, Honda Civic VTI, Citroën Saxo VTS, Peugeot 106 GTI e Punto GT, etc, ficaram, até ver, de fora. Nomes sonantes dos tempos rebeldes de escola que muitos dos jogadores de Gran Turismo certamente se recordam e gostariam de viver mais uma vez ainda que num mundo virtual. Para um jogo que se apresentou ao público como uma tentativa de fazer voltar os velhos tempos da franquia, acho que deveriam ter tido o cuidado de incluir alguns destes carros na lista, mas claro, é possível que sejam adicionados novos carros à medida que saírem novos updates.
Tenho que realçar o facto de estar de volta a compra de carros usados, e pela primeira vez num Gran Turismo, um dealership chamado “Legend Cars“. Neste espaço iremos encontrar uma curta, dispendiosa, mas belíssima colecção das maiores lendas que o mundo automóvel já conheceu, um espaço dedicado à classe, ao bom gosto e à fantástica herança desportiva de marcas como Alfa Romeo ou Ferrari. Este espaço tem como parceiro a Hagerty, um nome sonante no mundo dos clássicos, que além de seguradora de veículos históricos tem como missão a preservação dos mesmos e daquilo que representam na nossa história. Neste espaço, os carros para venda, todos eles parte da Hagerty Collection, terão preços dinâmicos que irão variar de acordo com a cotação real no mercado de cada modelo em específico. Em suma, um cantinho muito especial, são detalhes assim que fazem com que este este jogo se destaque dos rivais.
4 – Modificações
As modificações estão de volta, e melhores do que nunca. O GT Auto regressa, um lugar que já conhecemos, onde vamos sempre que precisamos de fazer uma mudança de óleo, uma lavagem ou modificações visuais como jantes e bodykits. Importante aqui realçar a lista de jantes disponíveis, são imensas e todas elas de marcas de renome como RAYS, Enkei, Advan, BBS ou OZ. Uma delícia para os entusiastas, ainda para mais porque além do diâmetro da jante poder ser aumentado, como nos Gran Turismo anteriores, temos também a opção de aumentar a largura da jante e até reduzir o offset e atingir aquele look perfeito que idealizámos.
Mas como modificações estéticas são apenas o começo, nada como dar um salto à Tuning Shop e desfrutarmos de uma extensa lista de modificações para fazer com que os nossos carros preferidos curvem, travem e acelerem melhor do que nunca. Neste espaço, já conhecido pelos fãs, podemos dar asas à nossa imaginação. Praticamente tudo é possível, desde a redução de peso aos pneus, turbos, escapes e suspensões totalmente reguláveis. Mais importante que a modificação em si é a afinação, sendo que, mais uma vez, o jogo surpreende com uma lista interminável de settings que podemos alterar, isto claro se tivermos comprado os upgrades que permitem esse ajuste. Posso assegurar que as afinações de diferencial e de geometria da suspensão fazem realmente a diferença! É possível corrigir o comportamento do carro de acordo com o uso, ou com a nossa preferência, e com um realismo absolutamente fantástico.
5 – Condução
A condução? Ai a condução… que surpresa tão agradável! Lembram-se de me queixar que os últimos GT tinham deixado muito a desejar no campo do realismo? Bem, desta vez os developers esmeraram-se e o resultado foi uma condução extremamente realista, diria até quase próxima dos melhores simuladores puros, exigente e desafiante. Admito que o DualSense da PlayStation 5 ajuda imenso a sentir a dinâmica do carro, o peso nas transferências de massa e perdas de tracção são muito perceptíveis através dos gatilhos, mas o jogo revela todo o seu esplendor é quando jogado com um volante, caixa manual e 3 pedais. Usei um simples G29 durante toda a review e fiquei absolutamente deliciado com a física, excedeu completamente as minhas expectativas. Ponta-tacão, travar com o pé esquerdo, trail braking, lift-off oversteer, tudo funciona como é suposto! Uma delícia para os amantes da condução desportiva. As mudanças de piso, as elevações, as condições meteorológicas variáveis que nos enganam ao longo da corrida, tudo isto faz com que cometamos erros e queiramos seguir para a próxima volta e tentar melhorar. Isto sim, é a pura essência de Gran Turismo.
6 – Gráficos
Como já devem ter reparado o jogo é absolutamente perfeito a nível gráfico, não consigo encontrar defeitos por muito que procurasse. Apesar de haver Ray-Tracing apenas durante as replays, menus e photo-mode, não se sente a falta de detalhe. Super fluido, limpo e envolvente durante as corridas. Cinco estrelas.
7 – Scapes e Showcase
Scapes, modo já conhecido, não apresentou nada de revolucionário em relação ao GT Sport, mas sejamos honestos, será isso possível? Temos uma vasta lista de localizações detalhadas e liberdade total para fotografarmos os nossos carros nas melhores estradas e paisagens pelo mundo fora, o sonho de qualquer amante da fotografia.
O Showcase permite-nos partilhar essas mesmas fotografias com a comunidade e interagir de forma bastante fácil. Além da partilha de fotos e replays podemos partilhar também pinturas personalizadas para os carros, fatos e capacetes, ajudando a comunidade e ao mesmo tempo partilhando aquilo que mais se gosta de fazer.
8 – Multiplayer / Sport
Os modos multi-jogador também não trouxeram nada de inovador em relação ao GT Sport mas mais uma vez, é uma receita vencedora e não necessita de grande mudança. Temos as corridas diárias e campeonatos no modo Sport e o eterno e amado Lobby onde podemos criar a nossa própria sala, definir as regras e passar um bom tempo com os nossos amigos, ou com desconhecidos, se não quiserem ferir os sentimentos a ninguém próximo. Se acham que Monopoly é um destruidor de amizades, experimentem Gran Turismo e depois digam algo. De realçar também a existência de um modo Split Screen à antiga, para os que como eu, fãs dos 90s, sabem que fazer batota a sério era dar uma cotovelada ou um pontapé no amigo do lado para tentar ganhar a corrida.
9 – Music Rally
Um pequeno brinde, um “Mini Jogo” ao bom estilo Arcade, que nos desafia a completar uma determinada distância ao som de música. Neste caso o tempo vai passando ao ritmo da música, e ganhamos tempo extra a cada checkpoint passado. Uma receita clássica com um twist musical. Também este modo nos pontua com troféus bronze, prata e ouro, e acreditem que certos desafios não são assim tão fáceis. Um bom modo de jogo para quem está com pressa e quer apenas um jogo rápido de 5 ou 10 minutos. Já que estamos a falar de música, destaco também a vasta banda sonora que nos oferece música para todos os gostos e moods, acho apenas que podia ter mais alguns artistas internacionais na secção de rock, apesar de gostar bastante das músicas presentes, um pouco mais de variedade teria sido muito bem vinda.
Conclusão:
Depois desta viagem pelo Gran Turismo 7 acho que estou em condições de responder à tal pergunta, lembram-se? Acham que a franquia voltou aos tempos dourados da PS1 e PS2 ou não? Eu acho muito honestamente que não, pelo menos não na totalidade. Temos alguns detalhes que nos transportam sim para as glórias do passado, mas depois temos a questão da progressão do jogo ser fácil e rápida demais. Se isto o torna um jogo mau? Nada disso, Gran Turismo 7 é brilhante, é o melhor jogo de carros da actualidade por uma margem absurda, está num patamar onde a concorrência não sonha sequer em chegar. Tem margem para melhoria sem duvida, mas está no caminho certo, e acaba por ser mais do que um jogo, Gran Turismo 7 é um embaixador da cultura automóvel, e explica ao resto do mundo com detalhe o porquê de nós, entusiastas, vivermos a paixão dos carros com tanta intensidade. Vale todos os euros, e todas as horas “perdidas” atrás do ecrã.
Obrigado Polyphony Digital, obrigado Kazunori Yamauchi e obrigado Japão, por esta obra de arte.
Ver os seus pais a jogar Spy Hunter num Spectrum ZX, é uma das suas memórias mais antigas, e foi precisamente esse momento que fez nascer as suas duas grandes paixões. Sendo um gamer e petrolhead com raízes tão fortes, não consegue viver sem uma boa tarde agarrado a uma das consolas ou computador, ou uma noite bem passada ao volante de um carro enquanto conduz sem destino acompanhado de uma boa banda sonora. Cresceu com jogos de carros como Lotus III, 4D Sports Driving, NQ RAC Rally e claro, Gran Turismo 2. O verdadeiro gosto por outro tipo de jogos apareceu mais tarde, no início dos anos 2000, assim que meteu as mãos numa cópia de Final Fantasy 8, que por sinal ainda hoje é o seu preferido. Desde então é completamente apaixonado por jogos com uma boa narrativa, considera que sagas como Final Fantasy, Kingdom Hearts, Metal Gear Solid, Mass Effect e Life is Strange são autênticas obras de arte.