Entrevista a Marcus Garrett Chiado em visita a Portugal

A convite do Museu LOAD ZX Spectrum de Cantanhede o luso brasileiro Marcus Vinicius Garrett Chiado esteve em Portugal por alguns dias.

Autor de sete livros sobre tecnologias e computadores retro, um dos autores do excelente documentário “1983: O Ano dos Videogames no Brasil”, idealizador de várias revistas brasileiras voltadas à cultura dos computadores e consolas dos anos 70, 80 e 90, entusiasta da cultura retro e uma inteligência contagiante, Marcus aceitou dirigir algumas palavras aos leitores do SideQuest.

SideQuest: Seja bem-vindo a Portugal, Marcus. Como foi essa sua curta estadia por terras lusas?

Marcus Garrett Chiado: Obrigado a vocês pela oportunidade. Estou realmente muito feliz de visitar a terra onde meus avós paternos nasceram, são do norte de um lugar chamado Freixo de Espada a Cinta. Não posso deixar desde logo de parabenizar e agradecer ao João Diogo do museu LOAD ZX Spectrum e à Camara Municipal de Cantanhede por tudo o que têm feito pela memória do ZX Spectrum e pelo turismo de Portugal. Apesar da visita curta claro que eu não poderia deixar de visitar “a minha esquina” em Lisboa, Garrett x Chiado!

SQ: O que achou da experiência de ser convidado pelo único museu do mundo dedicado ao ZX Spectrum e ao mesmo tempo da importância desse computador para os portugueses?

MGC: Foi incrível! Por dois dias, 23 e 24 de abril, conheci a linda Cantanhede, as instalações do Museu, o evento muito bem planejado com auditório, museu e o comércio retro, convivi com personalidades como Clive Townsend, Grant Sinclair, sobrinho do Sir Clive Sinclair, João Encarnado, André Leão, João Diogo do Museu e a Sra. Presidente da Câmara de Cantanhede, a Paula do Consultório da Paula, entre outros. Sem esquecer do Filipe Veiga, meu primo-irmão como gosto de chamá-lo, que participa comigo nas empresas Teknamic (Portugal) irmã da Bitnamic (Brasil). Vivemos em estreita proximidade com os irmãos portugueses, seja via essas empresas ou pelas revistas lusobrasileiras ESPECTRO e JOGOS 80, sempre com a participação a apoio de brasileiros e portugueses unidos.

Para o sitio electrónico da revista Jogos 80 aceda AQUI e da revista ESPECTRO aceda AQUI!

Sobre o ZX Spectrum acho bastante incrível que o ZX seja em Portugal o que o MSX foi no Brasil, ou seja, a porta de entrada de jovens para a tecnologia. o nascimento de muitos programas, projectos, desenvolvimento de sistemas, uma verdadeira escola base para formação e profissionalização das pessoas. E jogos, muitos projetos de jogos!

SQ: O que te atraiu para esse universo do início dos computadores e consolas no Brasil? O que tinha de tão diferenciado nessa época?

MGC: Decidi manter o foco nas primeiras consolas, computadores e jogos no Brasil pois, para nós, quando surgiu aquela misteriosa caixa preta que precisava ser desvendada, com escassa literatura e apoio das revistas da época, para aplicar comandos que devolviam no ecrã os resultados, isso nos hipnotizava, exigia pesquisa e esforço, era um tempo incrível. Lembrando que àquela época os primeiros computadores eram ligados na TV comum! Há uma incrível nostalgia daquela época, tinha um frescor das novidades… nossa imaginação era aguçada por filmes como TRON e então, de repente, podíamos controlar isso na tela da televisão! Como diz um amigo meu, “esta tecnologia não veio passada de pais para filhos como muitas outras, esta nasceu na nossa geração”.

Havia uma severa restrição ao acesso de produtos importados e essa “reserva de mercado”, por outro lado mais positivo, trouxe ao Brasil através dos clones nacionais, tecnologias de diversos países como Japão (MSX), Estados Unidos (MSX da Yamaha, Apple II, TRS 80 e TRS Color) e os ZX´s da Inglaterra. Curiosidade: um modelo Apple (clone do MAC 512) chegou a ser produzido pela UNITRON, por pressão da Apple e do próprio governo americano sobre o governo brasileiro, encerrou-se a produção com apenas 30 ou 40 unidades fabricadas, hoje raríssimas!

Mais info sobre o Unitron clone do Mac 512 clicando AQUI. (Evolução da Tecnologia no Brasil)

SQ: Se pudesses escolher apenas uma consola ou computador como favoritos, quais seriam?

MGC: O Atari 2600 como consola, ganhei o meu no natal de 1983 e foi mágico, tenho essa lembrança de família para sempre. Mas eu sou um computer guy, então o ZX Spectrum é o meu favorito.

SQ: E quanto aos jogos?

MGC: Ah, RIVER RAID é um clássico imortal do Atari. No Apple II escolho KARATEKA como favorito, foi um jogo que vi numa antiga feira de eletrodomésticos chamada UD, em 1985. Havia um stand de uma loja e entre frigoríficos e móveis lá estava um Apple II, com tela de fósforo verde com esse jogo que, aos meus olhos de menino, parecia um filme de animação. Esse jogo curiosamente é do mesmo autor do Prince of Persia, senhor Jordan Mechner.

SQ: Que tal sua experiência com os portugueses?

MGC: Ahh, nós brasileiros temos uma excelente relação com os portugueses. São países distantes mas unidos pela lusofonia, com os mesmos anseios, gostos parecidos e essa partilha ou troca de informações binacional é sempre empolgante. Pessoas como André Leão do blog Planeta Sinclair, João Diogo do Museu LOAD ZX Spectrum, a Paula do Consultório da Paula, o Filipe Veiga, entre tantos outros amigos e parceiros que prestigiam e dignificam essas relações Brasil e Portugal.

 

SQ: Na sua visão qual foi o período mais complicado para as consolas e computadores, o crash de 1983?

MGC: Em 1983 e 1984, o videogame morria nos Estados Unidos, mas explodia no Brasil como a grande novidade da década. A partir daí, essa indústria se desenvolveu muito, jogos com enredos e recursos muito melhores, questões como os cartuchos (caros) sendo substituídos por fitas cassete e disquetes muito mais baratos (e possíveis de reprodução). No Brasil pessoas de grande talento e criatividade puderam expor seus softwares, como ouso citar nomes de Renato Degiovani, Divino Leitão, Luiz F. Moraes, Mauricio Bussab, Tadeu “Curinga” da Silva, entre outros.

SQ: Fale um cadinho do próximo documentário a ser produzido sobre os primeiros jogos de computador do Brasil. Tendo em vista a grande proximidade Brasil e Portugal não pensas que precisamos também documentar os primeiros anos das consolas, computadores e jogos cá em Portugal?

MGC: Penso que sim e contem comigo para ajudar nesse trabalho de documentação, deve haver muita história comum entre Brasil e Portugal, por exemplo empresas que trabalharam em conjunto como foi o caso mais recente da TecToy brasileira com a Ecofilmes portuguesa. Vamos lá!

O nosso próximo trabalho sobre os primeiros jogos de computador procura reunir tudo que cerca esse período inicial, como as softhouses, comércio, indústria, etc. Eram poucos os que tinham acesso rápido aos computadores e consolas lançados naquele tempo, o Brasil vivia uma rígida reserva de mercado (uma lei que impedia a importação de diversos bens) e com isso poucos tinham acesso a essas tecnologias que estavam nascendo no exterior e por isso mentes criativas e empresários de visão apostaram neste segmento, criando no Brasil experiências únicas.

SQ: Obrigado por tudo Marcus, esperamos que retorne em breve! Deixe aqui um recado aos seus fãs e leitores portugueses, brasileiros ou pelo mundo que estejam lendo esta entrevista.

MGC: Aos meus caros portugueses e brasileiros deixo um muito obrigado por tudo, quero voltar a Portugal em breve visitar a terra dos meus avós, rever amigos queridos e a recíproca é verdadeira: sejam sempre muito bem-vindos ao Brasil! Obrigado também à SideQuest pela oportunidade de falar aos portugueses. Obrigado Mr. Clive Townsend pelos incríveis momentos que nos foram proporcionados durante o evento do LOAD ZX Spectrum, Museu de Cantanhede!

Obs: o entrevistado gentilmente ofereceu aos leitores da SideQuest o acesso gratuito ao PDF do seu primeiro livro escrito, que pode ser acedido para leitura ou download clicando AQUI.

Video completo do documentário “1983: O Ano dos Videogames no Brasil”

Preview do documentário “LOADING… Nossos Primeiros Jogos de Computador”