Tour de France 2022 chegou para fazer felizes os fãs de ciclismo mas também dar a conhecer a modalidade à comunidade gamer. O mundo do pedal espera por nós, vamos conhecê-lo?
Para quem já conhece o meu registo, sabe que os pedais virtuais sobre os quais costumo falar são três, acelerador, travão e embraiagem. Porém, hoje vamos mudar um bocadinho o rumo e entrar no mundo do ciclismo.
Quando se ouve falar nesta modalidade, um dos nomes que nos vem logo à cabeça é o Tour de France. Além de ser um nome de referência para o ciclismo, foi também a porta de entrada no mundo dos videojogos em 1985 com o Tour de France para Commodore 64, e mais tarde em 2002 e 2003 para PlayStation 2 e Xbox. Infelizmente não houve grande impacto em nenhuma destas breves aparições. Como podem ver já la vão alguns anos desde que o Tour nos foi apresentado pela primeira vez num jogo, mas foi mais recentemente pelas mãos da Cyanide que a franquia voltou em força e tem evoluído bastante ao longo da última década. Poderá ser esta a escada para tornar a modalidade mais presente nas consolas e computadores dos gamers? Vamos tentar perceber porquê ao longo dos quase 14 mil quilómetros de estrada (sim, leram bem!) neste novo jogo da Cyanide.
Em quase todos os jogos, estamos habituados a ser recebidos com uma breve explicação sobre o mesmo, de forma a ficar a conhecer os comandos e as regras do mundo ao qual acabamos de chegar. Tour de France 2022 faz bem o seu trabalho nesse campo e recebe-nos com um modo de treino especificamente pra nos ensinar a jogar e a compreender que uma etapa do Tour não é só pedalar mais que o adversário para cortar a meta em primeiro lugar. Ao longo das várias secções do modo de treino iremos aprender de tudo um pouco, começando pelos controlos básicos da bicicleta, trajectórias e pontos de travagem.
Os controlos da bicicleta são fáceis e intuitivos, qualquer jogador menos experiente conseguirá, sem qualquer dificuldade, dominar as curvas e travagem no momento certo. Apenas sinto a falta de uma opção para reduzir a sensibilidade do analógico pois torna-se difícil (mas não impossível) manter uma trajectória em curva que pareça suave e natural. Como fã de simulações senti também falta de um modo de dificuldade acrescida, onde a bicicleta não se sentisse tão “trancada” à estrada como se existisse um ABS e um controlo de estabilidade a tomar conta de nós a toda a hora. Se pudéssemos desligar essas ajudas, ou por exemplo gerir a travagem dianteira e traseira independentemente como nos jogos de motociclismo, já seria uma boa alteração. Apesar disso, o balanço é positivo e sinto que é uma experiência bastante agradável, gostei imenso do detalhe da vibração do comando em estradas de empedrado.
Além dos comandos básicos somos também educados sobre como gerir correctamente a energia do nosso ciclista. Os treinos de Energy Management e Advanced Controls ensinam-nos, com auxílio do user interface, a saber quando atacar, quando preservar energia e até a gerir a parte da alimentação. O interface dá-nos várias informações essenciais, tais como velocidade, direcção do vento e respectiva intensidade, a quantidade de esforço, energia disponível e inclinação do terreno. Todos estes factores são críticos e devem ser monitorizados constantemente se queremos vencer as etapas, a utilização correcta dos reabastecimentos, a preservação de energia de forma a preparar um ataque no momento certo ou disputar o sprint final é o que no final de contas nos irá dar uma vitória. A utilização do adversário para nos proteger do vento, ou adoptar uma posição aerodinâmica nas descidas de forma a atingir maiores velocidades e ao mesmo tempo conservar energia são técnicas que estão presentes no jogo e irão fazer toda a diferença.
Além disso, podemos e devemos também usar o modo de gestão de equipa e comunicação por rádio pra dar instruções individuais ou de equipa. Podemos também acelerar o tempo nas partes mais aborrecidas e deixar a equipa em auto gestão de acordo com as instruções dadas, mas que a qualquer momento podem ser mudadas e/ou assumir novamente o controlo de qualquer ciclista da nossa equipa. Tudo isto é abordado num treino específico.
Para finalizar os treinos somos postos à prova numa etapa de contra-relógio, onde teremos que utilizar tudo o que aprendemos até agora. Nestas provas pomos em prática os conceitos já conhecidos e temos que tentar bater o tempo estabelecido. Atenção que nas provas de contra-relógio existe um indicador de esforço recomendado junto á barra no canto inferior direito, que nos ajudará imenso a concluir a prova com um bom tempo. Além disso, alternar entre as duas posições aerodinâmicas será também necessário para sermos eficientes.
Concluídos estes treinos estamos preparados para começar a nossa jornada pelo Tour. Recomendo a 100% a conclusão dos mesmos, pois sem eles não vão compreender o jogo nem a modalidade e rapidamente irão sentir frustração e encostar o jogo para o lado por não conseguirem obter resultados. A curva de aprendizagem é grande mas no fim somos recompensados e garanto que terão muitas horas de diversão pela frente.
Ao todo, temos quatro modos de jogo distintos. O modo Race onde podemos correr em diversos campeonatos ou etapas isoladas. Tudo pode ser personalizado, desde a dificuldade dos adversários, lesões ou doenças. Além do Tour de France podemos competir noutras provas como o Giro di Como ou Primavera Classica. A diversidade é enorme, são quase 14 mil quilómetros de estrada para explorar e 26 equipas à escolha! Para os mais exigentes e com espírito competitivo temos o modo Pro Team, onde temos que gerir a nossa equipa de forma a subir no ranking mundial. Para os que preferem um desafio mais individual existe o modo Pro Leader, que consiste na criação de um único ciclista e na ascensão da carreira de forma a progredir ao longo das várias épocas. A grande novidade é o modo multiplayer, chamado Race of the Moment, onde podemos participar em várias competições por um tempo limitado e disputar o ranking mundial com outros jogadores.
Os gráficos são medianos, apesar de ser um jogo bonito e com paisagens detalhadas, não está ao nível das consolas Next-Gen. Ainda assim temos que ter em conta que detalhar 14 mil quilómetros de estrada com vegetação, prédios e monumentos não é tarefa fácil. As animações dos ciclistas estão boas, porém existem algumas falhas que deveriam ser melhoradas, nomeadamente as animações em caso de queda ou colisão, que estão mesmo muito fracas, e também a alteração súbita de posicionamento dos ciclistas em pelotão por estarem demasiado próximos. O movimento da bicicleta em curva também deveria ser mais lento e suave.
Esta seria aquela altura em que eu dava a minha opinião final sobre o jogo, mas desta vez decidi ir mais além e convidar alguém que percebe mais do assunto que eu. Convidei um ciclista a trocar umas ideias e experimentar o jogo durante umas horas para chegarmos à conclusão se o Tour de France 2022 afinal representa bem ou não a prova e a modalidade no geral.
O testemunho de um ciclista
“Foi com alguma expectativa que aceitei fazer uma análise ao jogo Tour de France 2022. Não na perspectiva de jogador, mas na de praticante da modalidade, que tem vindo ao longo dos anos a vivenciar a evolução de um ciclismo cada vez mais técnico e pormenorizado.
Fiquei agradavelmente surpreso com o realismo do jogo. Nada foi esquecido, desde características do percurso, relevo do terreno, tipo de pavimento com as respectivas dificuldades associadas. As características do ciclista são também bastante realistas e interessantes, assim como o comportamento em prova, quer a solo, em equipa, ou integrando uma fuga com outros corredores, em que o espírito de inter-ajuda é muito importante.
O controlo do ciclista durante a prova exige muita atenção e alguns conhecimentos da modalidade, ou corre-se o risco de não terminar a prova. No ciclismo de competição corre-se muitas vezes por sensações, que associadas a todos os sensores disponíveis, nos permitem controlar e dosear o esforço ao longo dos quilómetros. Fazendo a análise de esforço despendido e/ou necessidade de suplementação unicamente por gráficos, vai dificultar a gestão de energia\potência do ciclista, digamos que é um desafio acrescido.
A disciplina com que foi reproduzido todo o percurso do Tour, é impressionante, está lá tudo, o jogador vai ter a oportunidade de “correr” o Tour de France com todo o realismo.”
– José Fonseca, ciclista federado no Clube do Sargento da Armada
Conclusão:
Apesar de algumas arestas por limar, parece que Tour de France 2022 consegue agradar tanto a gamers como a praticantes da modalidade. Se está ao nível de um FIFA ou NBA? Não está, mas todos nós sabemos que o budget para esses jogos é seguramente maior e o número de vendas também, devido à popularidade dessas mesmas franquias. Cabe aos apreciadores e praticantes da modalidade mudar essa tendência e mostrar que o ciclismo tem lugar nas consolas e nos computadores de casa. Como? Comprando o jogo que por sinal até está a um preço bastante razoável (49.99€ para PlayStation / Xbox e uns ainda mais modestos 39.99€ no Steam), e dessa forma ajudar a Cyanide a lançar um produto cada vez melhor e mais apelativo.
Ver os seus pais a jogar Spy Hunter num Spectrum ZX, é uma das suas memórias mais antigas, e foi precisamente esse momento que fez nascer as suas duas grandes paixões. Sendo um gamer e petrolhead com raízes tão fortes, não consegue viver sem uma boa tarde agarrado a uma das consolas ou computador, ou uma noite bem passada ao volante de um carro enquanto conduz sem destino acompanhado de uma boa banda sonora. Cresceu com jogos de carros como Lotus III, 4D Sports Driving, NQ RAC Rally e claro, Gran Turismo 2. O verdadeiro gosto por outro tipo de jogos apareceu mais tarde, no início dos anos 2000, assim que meteu as mãos numa cópia de Final Fantasy 8, que por sinal ainda hoje é o seu preferido. Desde então é completamente apaixonado por jogos com uma boa narrativa, considera que sagas como Final Fantasy, Kingdom Hearts, Metal Gear Solid, Mass Effect e Life is Strange são autênticas obras de arte.