Durante a última DevGAMM em Portugal (pode ler mais sobre este evento aqui) tivemos a honra e o prazer de conversar com Fawzi Mesmar, o lendário game maker com uma incrível carreira de mais de 20 anos na indústria, tendo contribuído para o lançamento de mais de duas dezenas video jogos de sucesso, seja como designer de jogos ou diretor criativo de empresas como DICE, King, Gameloft e Atlus (SEGA)… Também é autor de um dos primeiros livros sobre design de jogos escritos em árabe (pode ser adquirido AQUI) e co-autor de nove séries de revistas em banda desenhada com mais de 5 milhões de cópias vendidas.
A vida o levou a viajar por todo o mundo, sempre a ensinar e a aprender, passando pela Alemanha, Japão, Jordânia, Arábia Saudita, Suécia e Nova Zelândia. Agora talvez Portugal, quem sabe para nossa sorte! Em 2021 assumiu uma nova função na Ubisoft de modo a ajudar as equipes de produção da Ubisoft em todo o mundo com sua visão criativa e garantir a inclusão de diversas perspectivas ao longo de todo o processo de produção.
Além da sua experiência no desenvolvimento de videogames podemos dizer que ele também é um grande defensor da educação em design de jogos, ensinando em várias escolas ao redor do mundo e fazendo palestras em eventos como esta última DevGAMM Portugal. “Se não estou fazendo jogos, estou jogando ou falando sobre eles… Sempre foi uma paixão minha não apenas fazer jogos, mas também ajudar outras pessoas a os fazer”, em suas próprias palavras durante uma das palestras a que estivemos presentes.
Seu currículo fala por ele e dispensa apresentações, sendo um dos protagonistas de franquias como Battlefield, Candy Crush, Persona, Mario Rabbid e muitos outros… Não pensem que o entrevistado é um cromo, ele é realmente um gamer e daqueles bem competitivos: ficou em terceiro lugar na final nacional da WCG (World Cyber Games) jogando STARCRAFT e em em quinto lugar no campeonato nacional de Super Street Fighter 4 Arcade Edition em 2012.
O premiado entrevistado foi o vencedor do “Game Dev Heroes” na categoria “Game Design” por todas as suas contribuições na área e também nomeado como um dos “100 game changers” pelo site Gamesindustry.biz, tudo isso em 2020.
Sem mais demoras, à conversa com Fawzi Mesmar:
SIDEQUEST – Fawzi, muito obrigado pela sua presença de espírito e simpatia, é impossível não registar que fomos recebidos de braços abertos, com um sorriso e um enorme “CARPE DIEM”. Verdadeiramente inspirador! O que pode começar nos contando sobre o começo da sua carreira?
FAWZI MESMAR – Olá Portugal, olá Sidequest. Têm sido 20 anos de muito trabalho, comecei como um dos pioneiros desenvolvedores de jogos indie na Jordania para a consola Game Boy Advance da Nintendo, escrevi o primeiro livro em árabe como forma de registrar o meu conhecimento para ser útil aos outros… posso dizer que, de toda minha carreira, o objetivo sempre foi tentar fazer bons games e ajudar ao máximo as pessoas a estarem nesse negócio!
Vejam, nos primeiros anos de faculdade alguns amigos e eu estávamos estudando japonês e conversando sobre como gostaríamos de fazer jogos. Não havia escolas disso nem nada parecido na Jordânia, de onde venho. Nada dessas cenas acontecendo no Oriente Médio naquela época, então decidimos: “OK, vamos fazer um jogo para Game Boy Advance”. Basicamente num espaço minúsculo de 40 metros quadrados trouxemos móveis das nossas casas, cadeiras do quintal e etc.
Imaginem dez pessoas, quatro computadores, um espaço muito pequeno, muito calor dentro e fora da sala, a maioria de nós estudantes de ciência da computação porém eu já tinha a música como um hobby. Então aproveitei escrever a música para o nosso jogo e olha que não tínhamos exatamente uma sala de música ou qualquer isolamento acústico nessa saleta, portanto as pessoas tentavam se concentrar a programar enquanto eu dedilhava acordes (risos).
O que foi realmente difícil é que não tínhamos acesso a devkits então acabamos por hackear algumas unidades do Game Boy para conseguir testar e fazer os jogos, fizemos um jogo “gigantesco” de 2 megabytes com 300kb para minhas músicas! Foi assim que tudo começou posso dizer que éramos completamente indies antes da palavra indie sequer existir, penso eu. Programava e fazia música, até que me disseram: “Você é tão esperto, sempre falando de projetos, idéias e sobre como as coisas deveriam ser… Por que você também não projecta logo o jogo todo e deixa a gente com a parte de programação?” Sou designer de jogos desde então!
SQ – Fale um pouco do seu livro “Al-Khallab on the art of game design”.
F.M. – Lancei esse livro em 2018 contendo toda minha experiência em design de jogos. Esse conhecimento nunca existiu em árabe antes e agora existe compilado em 400 páginas. Naquele tempo tínhamos de aprender outro idioma para obter informações como esta, então importei vários livros sobre design de jogos quando ainda não sabia bem o que fazer, precisava entender se estava no caminho certo e depois partilhar esse conhecimento para que outras pessoas pudessem obter informações em sua língua nativa. Escrevi até um capítulo sobre como conseguir um emprego na indústria, como obti isso e também muitas maneiras diferentes de se fazer isso… penso que em breve teremos um novo livro pronto a publicar mas ainda é segredo!
SQ – Seu currículo conta com games AAA como Battlefield e ao mesmo tempo com projectos mais leves como o premiado “Mario Rabbids”, ou seja, de games de computador e consola até mobile, incluindo por exemplo um curioso game para Windows (PC) chamado Swordie. Como vê o desenvolvimento de jogos em ambientes tão diversos?
F.M. – Ah sim, SWORDIE foi um game que um amigo desenvolveu (Frogshark) e apenas ajudei, feito em Unity e lançado em 2016. Mas não se deixe enganar: um jogo AAA exige um investimento massivo enquanto um jogo para telemóvel há um nível de investimento menor, inclusive para compra: provavelmente este jogo mobile será grátis e haverá muita concorrência. Na maioria das vezes, quando se escolhe um jogo leve na verdade está esperando por algo ou tem algum tempo de sobra, então, a capacidade de atenção é bastante limitada para aquele momento. Já para um jogo de consola ou computador normalmente se paga uma boa quantia em dinheiro para obtê-lo e, se for em computador, ainda precisará configurar tudo. No momento em que o jogador se conectar a mentalidade será: “Investi muito tempo e dinheiro nisso então quero explorar ao máximo.”
Antigamente só podíamos pagar um jogo por mês e olhe lá no formato tradicional, não havia muita escolha, embora houvesse muita competição. Se alguém não entendia o jogo perguntava para aos colegas da escola, comprava revistas, e etc… É interessante que os jogadores aprendem aspectos do jogo e se envolvem da mesma maneira tanto em consoles quanto em jogos para dispositivos móveis, afinal os mesmos princípios se aplicam, o que muda basicamente é o número de mecânicas, funcionalidades e complexidades.
SQ – Sabemos que fazes parte da iniciativa bright Gambit. Conte nos um pouco disso.
F.M. – A Bright Gambit foi fundada em 2021 por um grupo diversificado de profissionais da indústria de jogos com ideias semelhantes, todos com o plano de ajudar outros desenvolvedores de jogos com menos suporte a cruzar a linha de chegada e realizar seus sonhos. Sinto-me honrado em fazer parte disso ao lado de especialistas em publishing, desenvolvimento, investimentos, dispositivos móveis, PC, console, AAA, VR, indies, design e criação de jogos, programação, jurídico, produção, música, desenvolvimento de negócios, liderança. e crescimento da empresa…
Investimos e ajudamos a fomentar diversos projetos dos quais nos orgulhamos muito, visitem nosso site para saber mais sobre os games e sobre como podemos lhe ajudar a realizar seu projeto! A principal razão pela qual nos unimos é apoiar e desenvolver uma indústria que tanto amamos, sentimos que existe uma grande lacuna em termos de financiamento, experiência de mercado e acesso à informação para pequenas equipas de desenvolvimento que trabalham com orçamentos modestos. Queremos ser o suporte dessas equipes, sem reivindicações de publicação, controle criativo, participação na receita no primeiro dia e etc, sempre com uma abordagem voltada para resultados positivos ao desenvolvedor!
SQ – E que tal Portugal? O que mais gostou até agora?
F.M. – Estou encantado com Portugal, quem sabe me estabeleça por aqui. Encontrei talentos altamente preparados, muita criatividade canalizada e adoraria trabalhar com esses talentos em projetos futuros.
SQ – Quais seriam seus jogos favoritos, independente de consola ou computador?
F.M. – Tetris, The legend of Zelda: A Link to the Past e Street Fighter II.
SQ – Já agora, quais suas consolas ou computadores favoritos?
F.M. – Foi o Playstation 1 onde joguei mais jogos e também descobri o que significava design de jogos… No MSX descobri o que realmente significava codificação!
SQ – Uma mensagem final aos nossos leitores. Muito obrigado e seja sempre bem-vindo a Portugal!
F.M. – Desejo a todos uma pausa de final de ano maravilhosa e um emocionante 2024 pela frente, com paz, felicidade e prosperidade para todos os leitores e seus entes queridos nos próximos anos. Que vocês alcancem todos os seus objetivos e mais alguns.
Sidequest deseja o mesmo ao grande Fawzi, obrigado pelo seu tempo!
Aprendi em 1983 com o Atari 2600 o que era um videogame. Sou do tempo da internet discada, das cartas em máquina de escrever e de conversar pessoalmente! Do Telejogo Philco-Ford ao telemóvel mais recente, gosto de experimentar games indies e de ajudar a se tornarem títulos AAA. Colecciono consolas e videojogos que fizeram parte da minha história! Pai, Motard e Gamer. 😉