A tentação está sempre presente. Mas será vantajoso?
O Ultimate Team é o modo mais popular do título mais jogado da Electronic Arts, o FIFA. Neste modo, em estilo de coleção de cromos Panini, os jogadores abrem packs de cartas, de forma a colecionar jogadores, emblemas, estádios, equipamentos e consumíveis, para construir a sua equipa.
Naturalmente, um jogador de topo como Ronaldo ou Messi são extremamente raros e difíceis de sair. Em largos anos a jogar Ultimate Team, ainda não fui afortunado o suficiente para o conseguir. Felizmente, existe um mercado dentro do jogo, onde podemos vender e comprar as nossas cartas. Estes jogadores são, contudo, extremamente dispendiosos e é preciso jogar meses de FIFA até conseguir juntar moedas suficientes para os adquirir para a nossa equipa.
O Ultimate Team estimula nos jogadores a vontade constante de melhorar a equipa. Quando jogamos, as recompensas traduzem-se em mais packs para abrir e melhores jogadores para a equipa. Quase todas as semanas, a EA brinda-nos com novas promoções, que disponibilizam, por tempo limitado, versões especiais e melhoradas de alguns jogadores. Nós queremos abrir o máximo de packs possíveis, na esperança de conseguir aquele jogador especial para a nossa equipa ou algum jogador muito valioso, que, vendido no mercado, nos permite ter moedas para comprar a nossa equipa de sonho.
É sobre este fator psicológico que a EA assenta muito do seu modelo de negócio. Dentro do jogo, podemos adquirir FIFA Points com dinheiro real, com os quais podemos abrir packs. Esta monetização, com compras in-game num jogo, pelo qual já pagámos um valor inicial para o adquirir, entra na categoria que a EA define como “Games as a service”. É uma estratégia usada pela empresa na maioria dos seus títulos.
Usando números referentes a 2019, sabemos que, dos perto de 5 Biliões de Dólares facturados pela empresa, 75% dessa receita provem de vendas digitais. Dentro das vendas digitais, 59% (mais de 2 biliões de dólares) provém de “Games as a service”. Estes números mostram o quão relevantes são, para a EA, as vendas dentro do jogo. No caso específico do FIFA Ultimate Team, sabemos que estes valem 28% do total de receitas da EA. Estamos a falar de mais de 1,3 Biliões de Dólares!!! Ao disponibilizar packs especiais para venda, no momento de lançamento de uma nova promoção, chega a facturar alguns milhões em menos de 1 hora.
Na sequência da polémica mundial das loot boxes, em que estas mecânicas de monetização começaram a ser enquadradas legalmente como jogo de sorte, a EA viu-se obrigada a revelar as probabilidades de sair certo tipo de jogadores nos packs que vende. Ficámos a saber que, muitas vezes, a probabilidade de nos sair um jogador especial é inferior a 1%. Criadores de conteúdo fazem vídeos de abertura de packs no youtube, em que gastam quantidades pornográficas de dinheiro a abrir cartas, dando-nos uma boa amostra do que conseguimos de retorno. A conclusão é: tal como jogar no euromilhões ou na lotaria, sermos premiados é muito difícil. Claro que, mesmo não indo buscar um jogador de topo, conseguimos sempre outros jogadores que nos permitem fazer algumas moedas e melhorar a equipa. Mas terá valido a pena o investimento?
Pessoalmente, recuso-me a gastar dinheiro dentro do jogo. É uma questão de princípio, pois já comprei o título e espero uma experiência de jogo completa pelo valor que paguei. Mas não se limita aos meus princípios…
O FIFA 20 apresenta alguns problemas de jogabilidade ainda por resolver. Ano após ano, os servidores da Electronic Arts continuam sem melhoras significativas, que permitam um jogo online fluido e gratificante, sobretudo nos modos mais competitivos. Jogar o modo FUT Champions, que dá as melhores recompensas e através do qual nos podemos classificar para os eventos de E-Sports e onde competem os jogadores profissionais, pode ser uma experiência frustrante devido ao lag constante e inconsistências de jogabilidade.
Entretanto, a EA continua focada em como conseguir vender mais packs e fazer mais dinheiro, promoção atrás de promoção, muitas vezes transparecendo, para os mais atentos, os estratagemas camuflados de retirar moedas do mercado antes de algumas promoções, de forma a tentar os jogadores, com as suas “contas vazias”, a comprar mais alguns packs.
E que retorno vemos, enquanto jogadores, dos lucros pornográficos desta empresa? Zero. Os servidores continuam péssimos e a jogabilidade com problemas.
Não consigo, pelos motivos acima, recomendar a compra de FIFA Points. Não censuro quem o faça, desde que tenha possibilidades para tal e não esteja a comprometer irresponsavelmente as suas finanças. É uma forma de acelerar imenso o desenvolvimento da equipa, mesmo sem conseguir aquele jogador especial. Contudo, não só muito raramente o investimento tem um retorno que o justifique, como a EA parece não reinvestir o dinheiro que a sua base de jogadores lhes dá para melhorar o jogo.
Eu adoro FIFA. É o jogo onde deixo, de longe, mais horas todos os meses. Mas no que toca a gastar dinheiro real, que nos saiu da pele (ou aos nossos pais, no caso de um menor), apelo a uma análise racional e informada, ciente da relação custo/recompensa.
Começou a jogar ainda os jogos se carregavam a partir de uma cassete de fita magnética. Completamente viciado em FIFA, é também fã incondicional de RPGs e Jogos de Estratégia. Junta, aos videojogos, a paixão pelos jogos de tabuleiro.