Quando se faz o balanço do que de melhor a geração de consolas PlayStation 4 / Xbox One produziu, é o momento certo para não deixar esquecer um jogo que merecia mais carinho.
Ao analisar-se um jogo é preciso ter consciência de que não se está apenas a fazer uma descrição do que se viu, do que se achou melhor ou pior, de que sensações boas ou más (ou até nenhumas) a história e a jogabilidade transmitiram. O que se transmite a quem lê é, também, susceptível de influenciar a opinião que pode determinar se o precioso dinheiro é gasto a comprar o videojogo A ou B.
No que diz respeito, concretamente, a Days Gone é evidente que, ao verificar o famoso Metacritic, percebe-se que não foi muito bem recebido, em média, pela crítica especializada, uma vez que uma pontuação de 71 (de 0 a 100) demonstra que por uma grande parte que analisou o jogo este foi considerado mediano, ainda que tenham sido invocados vários problemas técnicos e glitches que, em parte, foram sendo corrigidos ao longo do tempo através de updates. Pois se há adjectivo que nunca utilizaria para descrever Days Gone é mediano.
O conceito do Bend Studio foi ambicioso e, ao mesmo tempo, arriscado. A ambição é manifestada através da opção pela construção de um mundo sandbox, com liberdade de movimentação pelo mapa, com diversas actividades que se podem fazer, dentro da lógica de um cenário apocalíptico (várias opções oferecidas num jogo Grand Theft Auto não fariam muito sentido neste contexto). Houve também o risco de se apostar em zombies, mortos-vivos, infectados, o que quiserem chamar aos Freakers, pois o que não faltam são jogos em que se tem que enfrentar seres desse tipo, mesmo que não sejam o único inimigo existente. E a ambição pelo mundo aberto contribuiu em boa parte para a existência de frequentes pop ups, alguns problemas de física com certos objectos, alguns cenários parecidos uns com os outros, ainda que em zonas bem diferentes do mapa e também a repetição de certas tarefas, como a necessidade de nas estações NERO encontrar gasolina para encher o gerador e, assim, conseguir entrar na caravana.
Contudo, eu acho que a aposta foi mais do que ganha. Desde logo estamos perante um jogo com uma campanha cuja duração supera as 30 horas (!). E além de longa, que é um tema de grande relevância para mim, quando se pensa no preço normal de mercado com que o jogo foi lançado, a história é verdadeiramente interessante, surpreendente e que não deixa indiferente o jogador. A interpretação de Deacon St. John é uma das minhas preferidas de toda a geração e não sinto que haja o reconhecimento devido. Aparenta ser um protagonista cliché, o típico motoqueiro com ar de mauzão, a lutar para sobreviver a uns mortos-vivos doidos? Totalmente redutor! Considero que é uma personagem com uma grande densidade sentimental, que tem o seu propósito muito claro mas que não quer deixar ninguém para trás, preocupa-se com os seus e reconhece se estiver errado. Até o facto de uma das várias actividades que o jogo oferece ser poder livrar alguém de ser morto por Freakers ou libertado de uns bandidos demonstra parte do que acabei de dizer. Para saberem mais e comprovarem, só jogando.
Mas não é só Deacon que é memorável. São várias as personagens, mais ou menos secundárias, que contribuem para o carisma de Days Gone. Eu tive sentimentos de carinho e amizade por algumas, de desconfiança e raiva por outras, sendo poucas as que tiveram um papel no desenvolvimento da trama que me foram indiferentes, que achei que estavam só por estar ou que “não me puxaram” a atenção.
Já tinha feito referência às diversas actividades com que o jogador se pode entreter e eu acho que são em quantidade e qualidade verdadeiramente assinalável (recordo que a campanha, por si só, já dura umas 30 horas!). Além do que já havia mencionado, podemos ser surpreendidos com um tiro de sniper vindo do nada, pois existe um campo de looters perto, despistarmo-nos da mota ao ir contra uma armadilha na estrada que fazia parte de uma emboscada, é possível entrar em quase todos os edifícios para recolher materiais essenciais com os quais poderemos fabricar armas ou medicação para nos curarmos, recolher diversas orelhas dos vários Freakers diferentes, aumentar a confiança com vários campos de abrigo que existem, ao cumprir missões que são requisitadas ou.. as hordas, as inesquecíveis hordas. Quem jogou Days Gone tem que ter histórias para contar sobre as hordas, quem não jogou perdeu uma das experiências videojogáveis mais engraçadas, mas eventualmente stressantes, desta geração que está para ser substituída.
Não posso deixar de fazer referência também à inseparável mota com que Deacon se move pelo mapa. A condução não é a de um jogo de corridas, cumpre apenas (e muito bem, acrescento) a sua função. Mas o veículo propriamente dito foi sendo encarado por mim quase como um companheiro. São diversas as formas de a personalizar, desde a pintura, às rodas, ao motor, ao depósito de combustível, passando pela possibilidade de adicionar nitroglicerina. Não só através destas alterações se fica com uma mota que é tal e qual o que o jogador queira, como a necessidade de se atestar de combustível frequentemente e de se proceder a reparações para que esteja sempre disponível para se viajar descontraidamente e não se correr o risco de ficar apeado, levam a que se esteja, mesmo que inconscientemente, preocupado em a ter impecável para que cumpra o seu propósito que, em certas situações, nem é apenas levar Deacon do ponto A ao ponto B, mas sim tirar-nos rapidamente de uma perseguição de Freakers enfurecidos ou mesmo alcançar um inimigo em fuga. Em Days Gone a mota não é apenas mais um veículo. É a nossa mota!
Pode não ter sido o melhor jogo da geração PlayStation 4 / Xbox One, pode não ser o jogo graficamente mais espetacular (ainda que esteja espantoso, outros jogos são mais polidos), pode não ser o mais bem sucedido e pode ter vários pontos negativos, com algumas correcções também feitas entretanto, mas Days Gone merecia muito mais reconhecimento, não apenas pelos aspectos que expliquei mas por outros também que não indiquei especificamente. Vou certamente jogar, novamente, na PlayStation 5 e um Days Gone 2 é, sem sombra de dúvida, um dos jogos que mais anseio que seja anunciado!
O meu primeiro contacto com os videojogos aconteceu por altura do meu 8º aniversário, quando recebi de prenda uma SEGA Mega Drive, ficando “agarrado” a jogos como “The Revenge of Shinobi” ou “Streets of Rage 3“. Anos mais tarde, tive a possibilidade de experimentar a primeira PlayStation, juntamente com o original “Spyro the Dragon”, jogando a todas as consolas da Sony desde essa altura (caseiras e portáteis). Nenhum jogo, até hoje, me marcou mais do que o Final Fantasy X, mas creio que o que mais horas joguei foi o PES 5, também na PS2. Adoro jogos de ação na 3ª pessoa, visual novels e RPG’s no geral (para indicar alguns géneros), mas tenho um fraquinho particular por turn-based JRPG.