Sendo honesto, isso assombrava-me um bocado, porque sabia que não me ia desapontar.
Comecei a jogar Persona 5 poucos dias depois do seu lançamento em 2017, mas, na altura, devido a problemas pessoais e falta de tempo, nunca o levei até ao fim. Tinha um save com cerca de 20 horas de progresso guardado para quando tivesse tempo de o fazer, pois sabia que, tal como os antecessores, é um jogo enorme. Com esta confusão toda da pandemia e o facto de estar sempre em casa proporcionou essa ocasião, tinha tempo que sobra para gastar com Persona 5.
Assim o fiz, logo a seguir a terminar Final Fantasy VII Remake. Durante uma semana, a minha vida foi em Tokyo, no mundo de Persona 5. Até fiz sushi, para entrar mais no ambiente. Só não tinha sake, mas talvez tenha sido pelo melhor, senão possivelmente não me lembrava de algumas coisas que devia aqui escrever.
Ao fim de praticamente 120 horas de jogo e, mesmo assim, com pena de ter acabado, sentei-me finalmente ao computador, passado alguns dias sem o ligar, para gravar, neste texto, a minha opinião sobre o melhor RPG japonês de sempre.
Há muitas coisas que Persona 5 faz melhor do que todos os outros jogos, RPGs ou não, independentemente do estilo. Mas há uma coisa que o distingue massivamente e isto já era o ponto que mais distinguia os antecessores (pelo menos o 3 e o 4): a carga emocional que o jogo traz consigo.
Na duração da aventura nós vamos conhecer várias pessoas, umas mais a fundo, outras mais superficialmente. Todas elas, quer sejam apenas NPCs ou personagens jogáveis, têm uma história para contar. Narrativa essa que, mesmo num NPC básico, mete as narrativas de 90% dos jogos actuais a um canto. Há muito para dizer em Persona 5, muitas pessoas para ajudar, muitas histórias para ouvir e para ler. Sim, porque nem tudo tem voice acting e ler é parte integral da experiência. Se não gostam desse facto então esqueçam já este título. Mas shame on you porque vão perder algo de sobrenaturalmente incrível.
Todas essas histórias, todas as relações que mantemos com os personagens, todos aqueles que ajudamos e com que nos relacionamos nesta Tokyo fictícia, ajudam a fazer com que esta seja das experiências mais emocionais que podem ter num videojogo. É quase impossível descrever o quanto nos afeiçoamos aos personagens. Afeiçoamos tanto, que a nossa vontade de fazer o possível por eles, de os ver ter sucesso e de os reencontrar é avassaladora. Acabar Persona 5, ou outro jogo da série, é como perder um amigo, fica um sentimento de vazio no fim, fica a vontade de querer mais, de pedir à ATLUS para fazer DLCs infinitos. Não há, na minha experiência, nenhum jogo que faça isto tão bem, com tanta eficácia e de uma maneira tão genuína e não pretensiosa.
A única maneira que tenho de expressar, em texto, o porquê de isso funcionar tão bem é resumir um pouco daquilo em que consiste Persona 5. É um RPG por turnos japonês, ao estilo tradicional, mas é muito mais do que isso.
A acção desenrola-se ao longo de um ano e passa-se dia a dia. Todos os dias há várias actividades que podemos desenvolver, embora na maior parte dos dias metade seja ocupado por ir à escola. Sim vamos à escolinha, ao secundário mais precisamente, temos de ir às aulas e responder a perguntas do professor. Depois das aulas podemos ir conviver com alguém, ir ao ginásio, ir ao cinema, trabalhar em part-time ou uma outra das dezenas de actividades que existem. À noite também temos várias actividades, normalmente diferentes das que podemos fazer de dia.
Ou seja, é uma simulação do dia a dia de um estudante de 17 anos, muito embora seja um estudante especial, porque faz parte de uma quadrilha chamada Phantom Thieves. Estes roubam os corações das pessoas no seu mundo cognitivo para mudar a sua percepção do mundo e deles próprios. Uma cena muito à frente, e o enredo muda imenso e fica uma cena super complexa mais para a frente. Mas não vos vou dar qualquer spoiler, estejam descansados.
Além deste dia a dia, temos os combates que se passam em dois sítios distintos: os palácios, que são o mundo cognitivo dos nossos alvos, ou nos mementos, que são o clássico exemplo de uma dungeon com várias centenas de níveis de profundidade.
Uma das coisas mais fabulosas da série Persona é a ligação entre estas duas realidades. O aspecto social e as actividades do dia a dia, no mundo normal, são essenciais para o desenvolvimento da nossa personagem.
Dando-vos um um exemplo simples: os personas são demónios que nós podemos “domesticar” e utilizar em batalha, podendo ser fundidos para gerar personas mais fortes. Todos eles têm uma classe, seja ela Lovers ou Hermit, etc. Essas classes estão associadas aos vários links sociais que vocês podem fazer durante o jogo. Estes são o relacionamento com vários personagens, partilhar dos problemas deles, ajudar no possível, ver o desenrolar da sua história e aproximarmo-nos deles a nível emocional. Quanto mais esses laços se desenvolvem mais fortes ficam os personas que podemos criar. Como tal, a parte social do jogo é parte integral da experiência e não um enchimento de chouriços ou apenas uma visual novel para vos ocupar o tempo e a vista.
Além disso, há vários atributos que são necessários evoluir para poder manter essas relações como Knowledge, Charisma ou Kindness. Entrando no exemplo, se queremos evoluir a classe de personas confidant temos de ter uma relação com a Makoto, uma das personagens que fazem parte da nossa equipa de ladrões de corações. Mas, a Makoto sendo uma das melhores alunas da escola, só sai com vocês se forem bons alunos, como tal têm de estudar para desenvolver o vosso knowledge. Mas não fica por aí, ao desenvolver o vosso knowledge, vai fazer com que as vossas notas na escola sejam melhores, e vão chamar mais à atenção, desenvolvendo assim o vosso charisma.
Está tudo interligado! É realmente incrível, ao longo do jogo, observar como todas as dezenas de mecânicas se relacionam umas com as outras de uma maneira orgânica.
Tenho para mim, do que conheço, que não há mais nenhum jogo com uma complexidade tão grande, que seja ao mesmo tempo acessível pela maneira como a mesma é conseguida. Não querendo dizer que é fácil, porque definitivamente não é, há tanta coisa para descobrir, que facilmente se perdem. Mas, como este é um jogo para se levar com calma, com o tempo, vão conseguindo integrar todas as particularidades deste complexo sistema. Quando digo que é para levar com calma, é mesmo, literalmente, na boa, sem stress, até porque não vale a pena termos pressa, o jogo não vai colaborar com a vossa falta de paciência.
Devido a passar-se dia a dia, por muito rápido que queiram fazer as coisas, estão condicionados. Por isso, sentem-se no sofá, e desfrutem de 100 a 120 horas de excelentes diálogos e de uma narrativa que se torna progressivamente mais interessante, à mistura com um o melhor sistema de combate por turnos que existe.
Este último tem uma grande diferença para os mais clássicos: em vez de um menu com as acções, cada acção está associada e um botão, o que torna muito mais rápido e fácil de executar os movimentos necessários.
Outra coisa que afasta muitos jogadores dos RPG por turnos é os tempos de loading, principalmente entre batalhas. Esse é um dos aspectos técnicos que fazem de Persona 5 algo espetacular, quase sem nos apercebermos da importância disso. Os loadings são de 3-4 segundos. O loading maior que contei, só porque estava mesmo boquiaberto com a fluidez, foi de 8 segundos. O que não é nada, se compararmos com a concorrência ou com jogos mais antigos. Como disse ao início, nem reparamos na importância destes pormenores, mas com o tempo sentimos que a fluidez da acção é muito acima daquilo conseguido até aqui.
Penso que seja justo dizer que o que quero referir, no fundo, é o excelente design do jogo a todos os níveis. Quer seja level design, world design, design gráfico, design de interfaces etc, penso ser o melhor que já vi em qualquer jogo. Mais uma vez, é difícil de explicar por palavras, mas a fluidez e animação dos menus faz com que toda a complexidade seja mais acessível e fácil aos olhos. Isto vai de encontro também ao design gráfico que é soberbo.Este não é um jogo que visa ser realista, ao ponto de ser ver os pêlos do nariz do personagem, não tem nada a ver com isso, mas é o jogo com mais estilo de que tenho memória. O design do mundo, dos personagens, dos monstros… até dos balões das falas, é impressionante! Um verdadeiro trabalho artístico traduzido para um videojogo, da melhor maneira possível.Não é fácil, depois disto, olhar para outros títulos e tentar observá-los a nível artístico. Até algo como Journey por exemplo, quando comparado, seria a mesma coisa que ter um quadro de Van Gogh ao lado de um desenho meu de uma casa, com relva por baixo e nuvens azuis.E a banda sonora? Meu deus, aqui ao comparar com quase todos os outros jogos, seria meter o Vivaldi ao lado do Agir. É tão boa, que a primeira coisa que fiz, depois de acabar a o jogo, foi meter a banda sonora a tocar. Tem quase 3 horas e meia e vale todos os segundos. Para além disso não vejo algo que pudesse encaixar aqui melhor do que esta banda sonora, é simplesmente excelente. Persona 5 é soberbo.
Sim, é soberbo, é incrível, estou completamente rendido ao que a ATLUS fez com a quinta entrada desta série. De notar que adorei imenso os dois anteriores da Playstation 2, mas Persona 5 leva as coisas a outro patamar em todos os aspectos possíveis. Este acabou de entrar para os meus jogos favoritos de todos os tempos. No dia que fizer um top desses, tenho de equacionar muitíssimo bem qual vai ser a posição de Persona 5, mas digo-vos já que vai tirar da frente muitos que eu pensava que nunca iam sair do meu topo dos topos.
Este é um dos melhores jogos de sempre e sem dúvida o melhor RPG Japonês alguma vez criado. É um culminar de muitos anos de experiência e evolução dentro do género, que chega aqui ao seu expoente máximo. E, ainda por cima, aliado a isso, está uma das narrativas mais interessantes de sempre, um trabalho de design interactivo e gráfico absolutamente inacreditável e uma complexidade de mecânicas simbióticas, que funcionam entre si como nunca antes visto. WOW that was fucking awesome, obrigado ATLUS, agora fico a ressacar até ao próximo.