Dune: Spice Wars está em Early Access desde o dia 26 de Abril e era um jogo que eu tinha de experimentar.
Vão perdoar-me o devaneio, mas tenho de contextualizar o meu entusiasmo. Em 1992, ainda em MS-DOS, houve um jogo que, antes sequer dos livros ou filmes, me introduziu à areia de Arrakis. Só mais tarde, numa incursão ao videoclube, onde ia regularmente com um amigo que partilhava o meu entusiasmo pelo jogo, me deparei com o filme de David Linch. Comentámos ingenuamente “Olha, um filme do jogo do Dune!!!!” (pobres adolescentes!). Só a partir daí chegámos à obra original de Frank Herbert.
Esse jogo era Dune II, da antiga Westwood Studios. Foi um dos jogos que mais me marcaram como jogador. Embora não seja o primeiro jogo de estratégia em tempo real (RTS), Dune II definiu o formato que seria seguido nos anos seguintes, sendo o primeiro a usar o rato para mover as unidades, permitindo que os jogadores interagissem mais facilmente com suas tropas. Dune II estabeleceu a fundação para jogos posteriores como Command & Conquer, Warcraft e Starcraft, entre muitos outros RTS.
Portanto, sempre ficou aberta uma porta em mim para um jogo que me fizesse revisitar as horas investidas em Dune II. Quando apanhei o primeiro anúncio de Dune: Spice Wars, o primeiro jogo no universo de Frank Herbert em duas décadas, fiquei imediatamente entusiasmado e, agora, tive, finalmente, a oportunidade de o jogar.
Dune: Spice Wars é um jogo de estratégia em tempo real, desenvolvido pela Shiro Games e publicado pela Funcom. Confesso que os RTS que tanto me apaixonaram quando eu era mais novo, pouco me dizem agora. Apesar do meu entusiasmo, uma voz na minha cabeça alertava-me para a possibilidade da chama relativamente a Dune: Spice Wars se extinguir rapidamente até ao ponto da desinstalação. O simplismo de ganhar recursos, para construir exércitos superiores aos adversários, para os aniquilar já não me provoca o entusiasmo de jogar.
Contudo, Dune: Spice Wars acrescenta à estratégia em tempo real o conhecido 4X (Explore, Expand, Exploit, Exterminate), uma terminologia usada em videojogos e jogos de tabuleiro para definir um jogo em que controlamos vários processos no desenvolvimento de uma nação/facção. Não estamos apenas a construir estruturas e recolher recursos, estamos também gerir variáveis como economia, diplomacia, espionagem, exploração de recursos ou expansão de território, criando-se uma menor dependência do combate. O melhor exemplo que posso dar é Civilization. E Dune: Spice Wars, ao entrar neste sub-género, torna-se mais denso e rico na oferta de jogabilidade e mais apelativo para mim.
Se estão familiarizados com o universo criado por Frank Herbert, sabem de todo o potencial narrativo que este tem. Não vão, contudo, encontrar essa vertente neste jogo. A história fica de parte e o foco é 100% na estratégia. Não obstante, o mundo criado é excepcionalmente bem representativo da obra, desde personagens a unidades e diversos mecanismos de jogo.
O jogo passa-se, como seria de esperar em Arrakis, o planeta deserto alcunhado de “Dune”, o único sítio do Universo onde se produz a Spice, essencial para as viagens do espaço, logo extremamente valiosa. A luta das várias casa pelo domínio de Arrakis é o ponto central deste jogo. Para já, no acesso antecipado, podemos contar com as casas Atreides e Harkonnen, os bandidos (Smugglers) e os nativos Fremen. Outras facções, segundo a produtora, farão também parte do jogo final. As facções são assimétricas, cada uma com as suas habilidades próprias e tematicamente adequadas.
Joguei com a casa Atreides. Comecei na cidade fortaleza de Arrakeen e, inicialmente, o jogo levou-se a explorar o deserto com os meus Ornitópteros e estabelecer a nossa base de operações. A habilidade especial dos Atreides é permitir a anexação de povoações de forma pacífica, pelo que não tive de me preocupar com grandes investimentos militares no início. Anexar as povoações é essencial para controlar território e poder explorar os recursos de Arrakis, com destaque, como seria de esperar, para a Spice. Precisamos sempre de minerar Spice de forma a conseguir pagar os impostos constantes ao imperador e também de forma a conseguir Solaris, a unidade monetária em Dune. As outras facções procuram fazer o mesmo.
Aos poucos, vamos cobrindo Arrakis com a nossa influência, melhorando as nossas infra-estruturas e economia, gerindo recursos. Tudo tem os seus custos em Dune, sejam eles materiais ou não.
Para expandir para mais povoações precisamos de água, um recurso muito escasso no planeta deserto. Para conseguir água temos de construir Wind Trappers, que recolhem quanto mais água quanto mais ventosa for a região. Para criar unidades militares, precisamos de Manpower (e solaris), o qual se consegue ao construir centros de recrutamento nas povoações. As estruturas requerem Plascrete para construir e manter, o qual tem de ser produzido em fábricas. Os veículos precisam de Fuel Cells, as quais também requerem fábricas especializadas para as produzir. Para ganharmos controlo sobre povoações precisamos de Autoridade, um recurso representativo da nossa liderança e que conseguimos designando agentes para Arrakis. Para desenvolvermos novas habilidades precisamos de Knowledge, um recurso que adquirimos em Research Hubs. Precisamos de Influência, para aumentar o nosso poder de votação no Landsraad council. Precisamos de Intel para aumentar a nossa rede de agentes e espionagem. Precisamos de Pontos de Comando, para poder ter mais unidades militares.
E pronto, isto cada vez menos é o Dune II de 1992 e cada vez mais parece um Civilization, passado em Arrakis.
Não conseguimos fazer uma expansão linear e agressiva, pois vamos sempre tendo de equacionar o vários custos do jogo e expandir de forma sustentada. Temos sempre de ser capazes de pagar os custos da expansão. Inevitavelmente, as fronteiras começam a colidir e entramos em conflito.
Mas a guerra tem também os seus custos. Os próprios exércitos não conseguem movimentar-se livremente pelo deserto, pois este é inóspito e arriscamo-nos a ver os nossos soldados morrer a meio do caminho, se deambularem em demasia. É impossível jogar Dune: Spice Wars focados exclusivamente no poder bélico. Como se estas dificuldades não bastassem, se nos tornamos uma grande ameaça militar podemos ver as outras facções juntarem-se votando a favor de sanções que tornam os custos militares proibitivos. Ou se nos tornamos grandes produtores de Plascrete, podemos ver aprovada uma sanção que nos reduz a produção do mesmo.
Começam então as guerras diplomáticas, as votações de novas leis no conselho, as missões de espionagem e negociação de acordos.
Existem 3 formas de ganhar em Dune: Spice Wars: Dominação, destruindo militarmente as bases dos oponentes ou, através da espionagem, assassinando os seus líderes; Governadoria, investindo no sistema político e procurando ser eleitos para governadores e segurar o cargo durante 60 dias; Hegemonia, que é quantificada por várias acções como controlar povoações ou pagando os tributos de Spice, permitindo uma abordagem menos “especializada” ao jogo.
Há muita coisa a acontecer neste jogo. Temos muitas vertentes para fazer micro-gestão e definir estratégias, o que torna Dune: Spice Wars num jogo bastante denso e complexo, onde o imprevisível irá sempre também interferir com os nossos planos.
Visualmente, o jogo é fantástico. A Shiro Games volta a apostar em visuais algo cartoony, tal como o havia feito no seu anterior jogo do mesmo género Northgard, se bem que apropriando eximiamente o universo e ambiências de Dune. O deserto de Arrakis revela a sua misticidade e poder intimidatório ao mesmo tempo e cada aparição de uma famosa Sandworm é um momento visual de destaque. O interface é eficiente e simplica-nos a experiência de jogo e, apesar do jogo se encontrar em acesso antecipado, não senti bugs ou falhas de maior.
Com o filme de Denis Villeneuve, o universo de Dune voltou ao top of mind e foi apresentado a quem ainda não o conhecia. Dune: Spice Wars aparece numa boa altura para aproveitar a onda e cativar jogadores.
Conclusão:
Dune: Spice Wars está ainda em acesso antecipado, o que significa que não o podemos avaliar como um produto final. Ainda há muito espaço para melhorar e o feedback dos jogadores ajudará nesse processo. Contudo, tenho a dizer que o jogo já nos faz sentir que estamos a jogar um produto acabado. Fiquei agradavelmente impressionado com a minha experiência. É um jogo de estratégia em tempo real com múltiplas camadas inteligentes de mecanismos que se conjugam para oferecer uma experiência bem representativa dos conflitos por Arrakis. E apesar da complexidade, nunca me senti esmagado ou perdido, tendo sempre controlo sobre tudo o que estava a acontecer. Temos sempre muitas escolhas interessantes à nossa disposição e múltiplos caminhos para a vitória. Aguardo ansiosamente pelo produto final, esperando que reforcem um pouco mais a componente narrativa, que sinto que é a única coisa que falta para levar este jogo a outro nível de imersão. Recomendo Dune: Spice Wars sem hesitar a fans de estratégia.
Dune: Spice Wars está disponível, em acesso antecipado, no Steam.
Começou a jogar ainda os jogos se carregavam a partir de uma cassete de fita magnética. Completamente viciado em FIFA, é também fã incondicional de RPGs e Jogos de Estratégia. Junta, aos videojogos, a paixão pelos jogos de tabuleiro.