Temos de falar sobre a Wednesday

Aviso: Review com alguns spoilers… e um toque de veneno *snap snap*

Quando foi anunciado, algures em 2021, que a Netflix estava a produzir uma série com o mítico realizador Tim Burton (um dos meus preferidos) sobre a icónica personagem Wednesday Addams (uma das minhas preferidas, mas abaixo da matriarca Morticia), o meu pequeno coração emo aumentou de tamanho. Afinal, todo o estilo gótico da família Addams mais o imaginário excêntrico de Burton só podia dar bom resultado, certo?

Beeem… Não a 100%.

They’re creepy and they’re kooky, mysterious and spooky. They’re all together ooky, the Addams family! 🪦

Calma, calma, pousem as forquilhas, normies. Deixem-me explicar.

Um bocadinho de contexto para chegarmos aqui. Crescendo nos anos 90, as minhas referências para a família Addams foram o filme de 1991 (com Christina Ricci – que agora interpreta a professora Thornhill – no papel de Wednesday) e a série animada de 1992. Wednesday e Morticia aqui são particularmente sombrias, estóicas, e com um charme quase sobrenatural. O que não se traduziu bem para esta nova adaptação.

Nesta nova série vemos uma Wednesday (ou Wandinha, segundo a tradução da Netflix 😬 socorro) adolescente, mais madura, e pronta a criar caos. Temos um início forte logo nos primeiros minutos do primeiro episódio, onde Wednesday mostra sem dó nem piedade os seus instintos homicidas. Não vi a série assim que saiu, portanto fui embalada por todo o hype e quando comecei a ver não fiquei desiludida.

Até aparecer a Morticia.

A *minha* Morticia 🖤 (Anjelica Houston)

Como havia mencionado, a minha personagem favorita desta família macabra é a matriarca. Sombria, sexy, sedutora, com uma aura de mística à volta, dramática mas sem exagerar (considerando a personagem). Catherine Zeta-Jones, uma actriz fenomenal, capta algumas destas características, mas há ali ago que falta. O movimento dos braços é demasiado, fazendo lembrar um pavão ao invés da bruxa mística. Demasiados sorrisos abertos para alguém tão melancólico. Basicamente, falta escuridão. E num tom um bocado mais superficial, não sei o que aconteceu com o departamento de maquilhagem, porque cada vez que Zeta-Jones surgia em grande plano a textura da base distraía-me de toda a cena. No entanto, todo o resto da caracterização está no ponto, e isso equilibra um bocado as coisas.

Os braços! Aquele esgar a roçar o sorriso! Como assim?!

Mas voltando à polpa da série: Wednesday. Começo forte, mas descambou um bocado. Ao longo da primeira metade da temporada, a ideia com que fiquei de Wednesday é que ela é uma evil Mary Sue. Para pôr estes termos em Português, uma Mary Sue é uma personagem que sofre o cliché de ter 0 falhas. É perfeita. E é isso que vemos. Apesar da sua atitude desapegada, de olhar para os fins sem pensar nos meios, e do total desrespeito por todos que a rodeiam… toda a gente a adora.

Wednesday consegue ter 2 love interests pelo 2º episódio (caindo num outro cliché, o do triângulo amoroso), tem uma panóplia de hobbies que domina, consegue sair vitoriosa de uma luta com 3 rapazes, e – claro – tem óptimas notas. Foi aqui que me distanciei um bocado da personagem – o que me ligava a ela era exactamente a caricatura de menina das trevas, a aura negra, o olhar à Kubrick. O facto de ela ser uma menina prodígio em TUDO arruinou um bocado a experiência. Mas siga para bingo.

E o tratamento especial de ser a única aluna em Nevermore com o uniforme de cor diferente?

Ao longo dos 8 episódios da série, seguimos o percurso conturbado de Wednesday na Nevermore Academy. O que parecia ser só uma mudança de escola para um internato depressa se revela parte de uma conspiração em curso há séculos. Mas sendo uma série sobre adolescentes, há que se focar também em assuntos de adolescentes, e o que é mais adolescente na América do que o baile?

A internet explodiu com a dança que Wednesday apresenta no Rave’N. Milhares de TikToks a recriar a dança peculiar, de vestido preto num mar de branco e azul. Por que é que isto me chateia tanto? Porque a dança (coreografada pela própria actriz, Jenna Ortega) apenas traz à luz danças que a cultura goth já faz desde os anos 80. É incomum ver estes passos na cultura mainstream? É. Mas não é nada do outro mundo que nos faça dizer “WOW A WEDNESDAY ADDAMS É TÃO PECULIAR COM A SUA DANÇA SUPER ORIGINAL NUNCA VI PASSOS ASSIM DEIXEM-ME FAZER UM TIKTOK”.

*suspiro*

No meio disto tudo, quero falar da estrela que rouba o espetáculo (não Christina Ricci, desculpa mas não és tu, nem te reconheci debaixo dos óculos e do sorriso falso): Gwendoline Christie. O seu papel enquanto Larissa Weems, directora de Nevermore – e à primeira vista umas das antagonistas da série (porque não deixa a Wednesday fazer o que quer, boohoo) fez com que os meus olhos se desviassem para ela em todas as cenas. Não só pela sua presença marcante (afinal, Christie tem 1,90m), mas pela sua performance enquanto responsável pela reputação da escola e vida dos alunos. É revelado desde o ínicio que o grande amor de Larissa é a Nevermore Academy e que ela faria tudo para a proteger – e fê-lo, o que a levou a um fim ingrato (mas com um plot twist muito bom). Chateou-me este fim? Chateou-me sim.

Mas já chega de personagens e histórias. Cinematografia. Toda a série está filmada num tom escuro (à boa maneira de Tim Burton), mas no tom perfeito para não perdermos detalhes (estou a olhar para ti, House of the Dragon 👀). Os cenários estão bem construídos, com bastante detalhe, e as cenas na floresta dão mesmo aquela sensação de que algo sinistro está para acontecer.

Também considero que o design dos monstros foi bem feito, e conseguimos identificar logo o Hyde como sendo uma criação Burtonesca. Menção honrosa ao Thing, parte alívio cómico parte sidekick, que foi filmado com efeitos práticos – ou seja, havia mesmo ali um ator com uma mão a passear pelo chão. Esse actor é Victor Dorobantu, e de alguma maneira conseguiu exprimir emoções através da sua mão.

Em termos de banda sonora, nada a apontar. Músicas mais que adequadas, bem enquadradas com as cenas e que as elevavam para além do óbvio. Fiquei maravilhada com rendições de violoncelo de músicas bem conhecidas (aquele Paint It Black, dos Rolling Stones? *chef’s kiss*) e com todos os outros arranjos macabros, vindo do já conhecido associado de Burton, Danny Elfman, e de Chris Bacon.

Mas claro, esta é apenas a minha opinião. A verdade é que Wednesday subiu para número 1 em 83 países em apenas 1 semana, empatando o recorde estabelecido pela 4ª temporada de Stranger Things.

Depois deste monólogo todo, vale a pena ver Wednesday? Vale.

É uma série que deve ser levada a sério? Não.

Senão vão acabar a escrever reviews como a minha 🙃