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Falámos com Warren Spector!

Não é todo dia que temos o privilégio de encontrar lendas vivas do universo gaming. A DevGAMM Portugal, realizada em Cascais (mais info aqui), nos permitiu acesso a diversas personalidades pelo que seremos sempre agradecidos, oportunidades estas de conhecermos um pouco da visão e da experiência de lendas como o norte-americano Warren Spector.

Para quem não viveu o começo dos anos 80 e 90 do século passado e ainda não ligou o nome à pessoa, Warren Spector é um talentoso designer de video jogos reconhecido pelo seu trabalho em dezenas de títulos ao longo dos seus 40 anos de carreira, com mérito especialmente em jogos que mesclam elementos de RPG com FPS, como aliás o título desta entrevista sugere… 🙂

Iniciou sua vida profissional na empresa de jogos de tabuleiro “Steve Jackson Games” e ascendeu ao cargo de editor-chefe. Em 1987 passou à empresa TSR (Dungeons & Dragons) onde editou os jogos “Top Secret/S.I”, “Rocky and Bullwinkle” e a 2ª Edição do “AD&D Dungeon Masters Guide”.

Em 1989 passou a desenvolver jogos de computador pela ORIGIN Systems, enquanto produtor associado em Ultima VI e Wing Commander, para além dos premiados Ultima Underworld, Ultima VII Parte 2: Serpent Isle, System Shock, Wings of Glory e muito mais.

Depois de uma passagem como produtor executivo na empresa Looking Glass Studios, Warren ingressou na Ion Storm no outono de 1997, aceitando um assento no conselho de administração, quando lançaram o que eu é considerada sua obra-prima o RPG de ação em um futuro distópico, “Deus Ex”. Este foi um jogo divisor de águas, especialmente para mim: foi neste jogo, a correr num PC AMD K6-III 450Mhz com placa gráfica 3DFX, que nasceu meu primeiro nickname online “PoisoneD” devido a uma arma de dardos que havia… A história era captivante e o multiplayer com uma imersão inédita para a época, mais estratégica do que caótica como Doom ou Duke Nukem 3D, portanto especial. Fiz questão de autografar meu disco dos anos 2000…

Foto de época dos desenvolvedores de Deus Ex - via RockPaperShotgun.com
Foto de época dos desenvolvedores de Deus Ex – via RockPaperShotgun.com

Ainda no início de 2005 fundou a Junction Point Studios que logo em 2007 foi adquirida pela Disney Interactive e lançou o título “Disney Epic Mickey”. Depois de leccionar game design anunciou em 2016 que estava retornando ao desenvolvimento de jogos para produzir “System Shock 3” na sua nova iniciativa, a empresa OtherSide Entertainment, para além de fazer parte do conselho de administração da IGDA – International Game Developers Association. Acredita ser a pessoa mais velha a trabalhar activamente no desenvolvimento de videogames, o que mostra sua resiliência e vontade de continuar a criar e inovar.

Condecorado como Doutor Honorário pelo “Columbia College of Chicago”, prêmio “Game Developers Choice Lifetime Achievement” na Game Developers Conference GDC e o “Honorary Award for Lifetime Achievement” da Fun and Serious Games Conference. Honrarias que se fartam para alguém com merecido reconhecimento pela sua vida dedicada aos jogos.

É uma honra e um privilégio podermos aprender um pouco com ele. Quando nos conhecemos referimos sua importância no mundo dos videojogos e com toda sua simplicidade e elegância ele nos respondeu: “I am just a guy who makes games”. Permita-me a audácia de corrigi-lo mas o senhor não é apenas um gajo que faz jogos e sim uma lenda com mais de 40 anos de expertise e que tem muito a partilhar com a nova geração que o acompanha.

Por breves momentos trocou algumas palavras com a Sidequest.

SIDEQUEST – Mr. Warren obrigado pela atenção e cortesia. Quarenta anos não são brinquedo, mais de 46 títulos de sucesso entre outros tantos projectos, como o senhor vê essas mudanças, as diferenças no desenvolvimento dos videojogos e o avanço das tecnologias?

WARREN SPECTOR – Sim, tem sido uma jornada interessante, muita coisa que fizemos no passado hoje podem ser reescritas usando novas tecnologias, como já aconteceu inúmeras vezes antes. Wing Commander mesmo foi um dos games que pela primeira vez usamos naves espaciais modeladas em 3D e pensámos “UAU”. Processamento 3D em tempo real era impressionante. Se pensarmos bem somos a única “media” na história da humanidade que transforma o usuário num criador de conteúdo, surpreendentemente, através do jogo. Pense nisso!

Deus Ex (2000) screenshot

Acima: tela de Deus Ex (2000) e abaixo a tela de System Shock Enhanced (1994).

SQ – O que pode nos contar desses 40 anos de carreira?

W.S. – Posso contar que sobrevivi 40 anos criando coisas do zero, sempre tudo novo. Todos os dias aprendo algo novo e sinto-me abençoado por ter sido da geração que mudou o mundo do gaming, como as indies têm feito agora com os avanços da tecnologia. Penso que eu poderia não ter sobrevivido muito nessa indústria se não tivesse começado na Steve Jackson Games e depois na Origin com esse universo dos jogos digitais. Sempre adorei tudo que ambas as empresas criaram e isso tornou muito mais fácil realizar longas horas de trabalho intenso.

SQ – O senhor sempre liderou ou fez parte de equipes que desenvolveram jogos muito especiais… qual o seu segredo?

W.S. – De facto criamos muitas franquias com longa vida, ainda hoje falam sobre os games Deus Ex, Ultima Underworld ou System Shock. Muito me surpreende que 22 anos depois de lançarmos Deus Ex as pessoas ainda falam sobre ele e continuem a gostar de jogar. Os jogos Epic Mickey por exemplo, com resultados positivos e negativos perante os jogadores, penso apenas que eles não entenderam o jogo. Anos depois ainda recebo cartas de fãs (na verdade e-mails de fãs dizendo que jogaram novamente várias vezes.

O segredo é que desenvolver jogos não é um trabalho para mim. Não é somente uma forma de pagar minhas contas: é uma carreira. Sempre achei jogos importantes! Lembro-me de que, enquanto estive na Origin, costumava olhar em volta e ver o que as equipes trabalhando em Underworld e System Shock estavam a fazer e me sentia a pessoa menos inteligente da sala, eu pensava “acho que vamos mudar o mundo”. Não fizemos isso directamente, os videogames é que mudaram o mundo. E ainda há muito mais para mudar, para se explorar.

Epic Mickey 2Epic Mickey 2

SQ – Quais projectos o senhor ainda gostaria de realizar agora com a Otherside Entertainment?

W.S. – Na Otherside queremos continuar a fazer jogos que impulsionem a indústria, que possam oferecer uma nova perspectiva se conectando com o jogador, o fazendo pensar. Que possam virar referência nos próximos anos. É o que o Paul Neurath e eu amamos fazer. Sempre tivemos a sorte de trabalhar com equipes muito boas, pessoas talentosas, inteligentes e repletas de entusiasmo… isso nos faz sentir muito bem, é inspirador… Ter objetivos claros também é muito importante e na OtherSide apenas criamos um tipo específico de jogo que é de simulação imersiva. Estamos todos comprometidos com esse gênero.

System Shock 3 - Otherside Entertainment
System Shock 3 – Otherside Entertainment

SQ – Que recado gostaria de enviar aos seus fãs portugueses?

W.S. – O mesmo recado que envio a todos os demais: que os jogadores sejam mais exigentes com os desenvolvedores e editores, por favor não comprem o décimo quarto jogo daquela mesma série! Acreditem nos indies, dêem uma chance ao novo.

SQ – Obrigado Senhor Warren Spector e seja sempre bem-vindo a Portugal.

Como fã de Deus Ex não poderia deixar de incluir aqui o trailer oficial de 2000 da Eidos:

Good “PoisoneD” Gaming a todos! 🙂