Ainda sobre The Last of Us Parte 2 – Análise aos pontos controversos

Amado por uns, odiado por outros, o que torna este jogo polémico?

Não consegui ficar pela minha análise inicial, o jogo é tão rico em pormenores que tive de descascar um pouco mais a controvérsia.

Depois de um brilhante primeiro jogo, aclamado tanto pela crítica como pelos jogadores, The Last of Us Parte 2 não gerou o mesmo consenso que o seu antecessor, várias questões, que tentarei aqui abordar, são apontadas à realização e argumento.

Atenção, daqui para a frente entro em pormenores da história que certamente arruinarão a experiência e o desenrolar de acontecimentos para quem ainda não jogou.

CONTÉM SPOILERS

A questão de Joel

Não há dúvida, Joel é um personagem carismático, a sua evolução ao longo do primeiro jogo leva a que se estabeleça uma relação emocional com este. Aqui, o facto de mal termos tido oportunidade de o controlar, aliada à sua morte violenta no início do jogo, tem sido um dos factores de revolta, ninguém quer ver o protagonista (ou quem julgavam ser o protagonista) ser violentamente morto a sangue frio, ainda mais quando quem o abate é a mulher a quem acabou de salvar a vida.

Já o havia dito, o mundo de The Last of Us Parte 2 é brutal e não perdoa, Joel foi uma vítima dessa realidade, mas, como nos é revelado pela história de Abby, seria ele assim tão inocente?

Esta dualidade é, na minha opinião, brilhantemente explorada durante o jogo e a morte de Joel, um de muitos murros no estômago que iremos experienciar.

Ellie como protagonista

Compreendo que muitas pessoas preferissem jogar com Joel e não gostaram de que a personagem principal, pelo menos durante metade do jogo, fosse Ellie. Há quem preferisse jogar com o protagonista do primeiro. Pessoalmente deliciei-me a jogar com Ellie, as mecânicas de jogo adaptam-se perfeitamente à constituição e força da personagem, a sua sede de vingança e “justiça” justificam a trama que nos foi entregue pela Naughty Dog.

Muitos acusam a editora de ter tornado a história num drama adolescente, que o sarcasmo e espirituosidade de Ellie já não está presente. Aceito, mas estamos a falar de uma história de vingança, não há razão para que Ellie esteja feliz nestes momentos. Temos fantásticos flashbacks que mostram a relação próxima de Ellie e Joel e o porquê desta se deteriorar, após esta descobrir o que realmente se passou no hospital. Ellie queria que a sua vida significasse algo, revelando preferir morrer para salvar a humanidade, Joel, por sua vez, voltaria a fazer tudo da mesma forma. Um enternecedor momento de redenção e início de uma fase de perdão é-nos mostrado na noite que sabemos anteceder a morte de Joel, isso, para mim, seria suficiente para motivar uma grande e sangrenta busca por vingança.

Essa sede de vingança é o que não permite Ellie ser feliz enquanto Abby vive, e a leva a deixar uma vida de sonho, junto a Dina e JJ, para acabar o que havia começado meses antes.

Sem terem jogado The Last of Us – Left Behind, muitos foram apanhados de surpresa pela sexualidade de Ellie, há quem advogue que há uma agenda política e social, que, na sua opinião, não tem razão de estar num videojogo. Pessoalmente acho que o personagem está escrito de forma brilhante e coesa, não lhe mudaria nada.

Abby, estar na pele do vilão

Aqui, muita gente foi surpreendida, eu inclusivé. As primeiras horas a jogar com Abby foram estranhas para mim. Afinal, quem quer saber da história lamechas do vilão?

O facto de metade do jogo ser jogado com Abby, e termos de fazer o mesmo percurso de evolução que fizéramos com Ellie, vendo o reverso da moeda e percebendo as suas motivações para matar Joel, foi, para mim, um golpe de génio.

A relutância inicial rapidamente se transformou em curiosidade para compreender melhor a personagem, as suas motivações. E certamente não fiquei frustrado, todo o percurso de Abby está muito bem escrito, levando a uma experiência e mecânicas de jogo diferentes das de Ellie. Abby é um colosso, mais física e com um treino e aptidões diferentes que tornam a experiência diferente e divertida.

O meu respeito e admiração por Abby apenas cresceu ao longo do tempo em que joguei com a personagem, ao ponto de que no primeiro confronto com Ellie, no teatro abandonado, e não sabendo o que se iria passar, estar com receio do que iria acontecer, tal era a ambiguidade dos meus sentimentos e não querer perder nenhuma das personagens (para quem não gostou do final pode sempre deixar que nesta cena Ellie alcance Abby, desligar a PS4 e ficar feliz pois a vingança foi consumada, recomendo também que o façam na parte em que Ellie está armada com a caçadeira, é uma das mortes mais brutais do jogo). Esta sensação de ambiguidade foi aumentando até ao confronto final, onde somos obrigados a combater, Ellie assim nos obriga, mas apenas o fiz pois o jogo assim o exigia, houvesse escolha entre combater e deixar Abby ir e creio que escolheria a segunda. Ainda bem que não havia escolha, a batalha final pode não ter sido tão difícil quanto o “Rat king” do hospital de Seattle, mas certamente foi mais enervante e com um final mais emotivo. Duas oponentes, exaustas, que praticamente haviam retirado tudo uma à outra, combatem até à morte, sendo que no final a compaixão se apodera de Ellie e esta acaba por retribuir a Abby da mesma forma que esta já havia feito duas vezes, e deixa-a viver.

Uma segunda protagonista foi sem dúvida uma das surpresas do jogo, tornando-o numa experiência mais rica e ilustrando que todas as histórias têm mais que um lado.

Causa LGBT

Sim, há uma forte mensagem de consciencialização social para com a comunidade LGBT, a personagem de Lev é extremamente intrigante ao inicio e vai-se revelando de uma dura e crua complexidade, numa sociedade/culto onde a transsexualidade é vista como uma abominação, o que torna Lev um alvo a abater.

A mensagem é forte sim, contudo não senti que me estivessem a enfiar moralismos pela garganta abaixo. Já existem teorias de que Lev poderá ser o protagonista de um The Last of Us Parte 3 e, na minha opinião, seria uma abordagem extremamente interessante.

Um jovem transsexual criado no meio de um curto religioso foi uma abordagem ousada, mas que enriqueceu a história. Apontaria como algo forçada a parte em que Lev foge para ir buscar a mãe, talvez houvesse uma outra forma de dar a volta à questão, embora a chegada à aldeia dos Seraphites, e posterior fuga desta, tenha sido uma das sequências que mais gostei.

O nascer da relação entre Ellie e Dina e o seu posterior “quase” final feliz, com uma criança deve ter levantado muitos punhos em revolta. Mais uma vez, para mim, excelente argumento, não me incomodou minimamente.

A história é fraca

Começa com vingança e é movida por vingança, no entanto, termina com compaixão, com a mensagem de que a procura por “justiça” não preenche o vazio deixado pela morte de alguém.

The Last of Us Parte 2 é brilhante, conta-nos a mesma história de duas perspectivas diferentes e mostra-nos a compaixão e violência de um hipótético mundo pós-apocalíptico.

Na minha opinião, o argumento está irrepreensível e procura explorar o melhor e o pior do ser humano em situações limite. Há quem alegue que a história é uma perseguição por vingança e que no fim não tem sentido, mas não será essa a moral que se pretende transmitir?

Muita violência

É um jogo para adultos, e o primeiro, embora não tão gráfico, já entrava por este caminho. Dizer que é demasiado violento e que esta violência é gratuita é, para mim, uma não questão.

As mecânicas são iguais ao primeiro jogo

Sim, a base é a mesma, com alguns ajustes e polimentos. Mas foi isso que me deu gozo no primeiro e gostei de o ver preservado neste.

Antecipação e expectativas frustradas

Acho que aqui foi onde o jogo causou mais impacto negativo. Para muitos que estavam à espera de um revisitar de velhas personagens, compreendo que a morte de Joel seja muito gráfica e uma surpresa deveras desagradável. Mas foi necessária à trama de acontecimentos e o argumento ganhou. Não se pode agradar a todos, mas chegar ao ponto de iniciar uma petição de forma a mudar a história, acho demasiado distanciado da realidade.

Para concluir

Poucos jogos me deixaram com a sensação de satisfação e perplexidade com que este jogo me deixou. É uma obra de arte em todas as áreas, desde o argumento à qualidade técnica, com personagens e situações plausíveis para o mundo em que os personagens vivem.

Ao finalizar The Last of Us Parte 2 percebi porque há tanto alarido à volta do título, fora todas as outras questões, percebo que seja frustrante deixar o vilão viver. Mas quem é realmente o vilão aqui? Ou a vítima?

Deliciei-me a jogar com ambas as personagens e, pessoalmente, fiquei muito satisfeito que ambas tenham sobrevivido. Fico expectante por um The Last of Us Parte 3, seja qual for o ou a protagonista.

The Last of Us Parte 2 pode sem dúvida definir novos caminhos e influenciar muitos videojogos daqui para a frente.

O SideQuest agradece à Sony por ter gentilmente cedido uma cópia para análise.