Boardgames – Porque comecei a trocar (mais vezes) a consola pela mesa de jogo

Há muito que invisto o meu tempo em boardgames, mas essa tendência tem-se acentuado cada vez mais, muitas vezes em detrimento dos videojogos.

Não me entendam mal. Continuo a gostar tanto como dantes de videojogos e não passo sem eles. Simplesmente procuro cada vez mais a mesa de jogo para momentos de entretenimento. E, quando racionalizo sobre o porquê de isto acontecer comigo, encontro talvez um dos principais motivos para o mercado dos boardgames estar em tão franco crescimento.

Só para terem uma noção dos números, em 2021 o mercado global dos boardgames era avaliado em 12,1 biliões de dólares, segundo a empresa Euromonitor, estimando-se um aumento de 3,02 biliões de dólares entre 2021 e 2026, num crescimento anual superior a 7%.

Eu não considero que os boardgames estejam na moda. Talvez possa ter existido um ponto, quando este crescimento começou, em que esse tenha sido o caso. Várias séries e filmes, em que destaco sobretudo o Big Bang Theory ou, mais recentemente, o Stranger Things, ajudaram a começar a passar uma imagem mais positiva do ser geek perante da sociedade. De repente, os jogos de tabuleiro passaram a ser percepcionados como uma actividade interessante e não exclusiva a uma minoria “menos cool com a qual não nos devemos misturar”. Estimulada a curiosidade das pessoas, ajudou o aparecimento de vários canais youtube dedicados ao tema, a oferecer mais conteúdos a um novo público que procurava saber mais sobre o hobby. Portanto, juntamos a criação de uma imagem positiva à escala global sobre os jogos de tabuleiro com maior facilidade de acesso a informação sobre os mesmos e temos o catalizador perfeito para retirar os boardgames da obscuridade e criar uma real procura.

Big Bang Theory tratou de forma positiva e engraçada o ser Geek

Mas, repito, hoje em dia, isto ultrapassou o estar na moda. E aqui vamos à essência da questão: hoje em dia, os boardgames preenchem uma necessidade das pessoas. Ou, pelo menos, preenchem uma necessidade minha.

Hoje em dia, vivemos no espaço digital virtual. No trabalho, passamos horas ao computador. As reuniões presenciais são substituídas por videochamadas. As formações são dadas online. O trabalho chega-nos por email. Quando não estamos a trabalhar, temos dificuldade em libertar-nos dos estímulos fáceis e imediatos encontrados no telemóvel. As redes sociais definem como nos relacionamos com os outros. E quando paramos e procuramos os nossos momentos de entretenimento, ficamos a olhar para uma televisão ou um monitor. As unidades de medida com que nos identificamos são cada vez menos os centímetros e cada vez mais os píxeis.

Tapestry é um jogo em que desenvolvemos uma civilização

E quando o digital se transforma na norma, de repente, o analógico torna-se cativante pela diferença. Quer disso sejamos conscientes ou não, estamos cada vez mais carentes de contacto físico. E não me estou a referir entre pessoas. Os componentes físicos dos boardgames seduzem-nos, enchem-nos a vista e trazem-nos conforto ao toque. Lançar uma mão cheia de dados torna-se muito mais gratificante que carregar num botão de um comando. O prazer de pegar numa miniatura de um edifício e o colocar no nosso mapa, após entregar os tokens de recursos (arduamente ganhos) necessários à sua construção supera o prazer de ver um simulacro digital no ecrã.

E as empresas fazem um trabalho cada vez melhor na optimização desta experiência tátil e visual, com produções fantásticas que queremos ter, independentemente de depois as jogarmos ou não. A indústria acompanhou bem este crescimento e somos brindados com cada vez mais e melhores jogos. Actualmente, no boardgamegeek, aparecem listados mais de 140 mil jogos de tabuleiro. Existem mesmo jogos para todos os gostos, seja pela temática, tipo de mecanismos ou complexidade.

Frostpunk tem componentes de excelente qualidade, que enchem os olhos

Claro que o analógico não é “fácil” como o digital. Não é uma experiência plug-and-play. Há manuais de regras para ler, por vezes bastante extensos e morosos de explicar a outros jogadores. Há todo um tempo de preparação dos componentes de jogo antes de podermos iniciar a experiência em si. E estas ainda são barreiras para muitas pessoas que preferem encontrar uma gratificação mais imediata. Mas a verdade e os números de crescimento do hobby sustentam esta afirmação, é que cada vez mais os jogadores estão dispostos a abraçar todo este pacote analógico de entretenimento. E jogos como Gloomhaven chegam ao topo da popularidade no boardgamegeek, não obstante os tempos de preparação que podem chegar aos 20/30min.

E depois há o contacto humano. Numa sociedade cada vez mais virtual, induzida pelas redes sociais, acredito que muitas pessoas procurem estratégias alternativas para criar contacto pessoal. Os boardgames são uma boa solução, reunindo pessoas de todos os contextos na realização uma actividade interactiva, que promove o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais de uma forma bastante lúdica e divertida. Não desvalorizando o contacto estabelecido em jogos online, penso que não preciso de justificar o quão superior é o contacto humano presencial.

Root é um jogo único na forma como os jogadores interagem

Para mim, é o desligar da consola e imergir numa experiência totalmente analógica que faz o click. Adoro embrenhar-me nos mecanismos dos jogos de tabuleiro, que sobressaem à vista na mesa de jogo por oposição à forma como são (na maior parte dos casos) tornados invisíveis nos videojogos. Reconhecer a inteligência de determinado mecanismo do jogo e a forma como ele me estimula é do mais gratificante que posso encontrar como jogador. Isso e toda a experiência imersiva tátil que um jogo de tabuleiro proporciona.

Tenho o privilégio de partilhar a minha vida com uma pessoa que também nutre grande entusiasmo tanto por boardgames como por videojogos. E cada vez mais investimos o nosso tempo e dinheiro nos primeiros.

Se também te interessa ir para a mesa de jogo, não vais ter nenhuma dificuldade em encontrar um jogo que te estimule a curiosidade na já vasta oferta do mercado nacional. Recomendo a Versus Gamecenter, com uma conveniente loja online, mas também lojas físicas em Lisboa e Algés que podes visitar.