Baldur’s Gate 3: Compreender o sucesso estrondoso

Baldur’s Gate 3 chegou e teve um sucesso que superou todas as expectativas, tanto a nível da crítica como de vendas. Mas será assim tão surpreendente?

Os primeiros dias de Baldur’s Gate 3 têm sido uma explosão unânime de feedback positivo. Há um sentimento global de todos esperávamos por algo assim e recebemos tudo o que queríamos e ainda mais. E nota-se em todo esse discurso global algo de emocional, os jogadores estão realmente felizes com a oportunidade de mergulhar neste jogo.

Classificações no Metacritic

No Metacritic, encontramos uma nota crítica de 96 (a mesma atribuída a Elden Ring, só para por em perspectiva) e um User Score de 9.3. Nas estatísticas do Steam, temos um pico máximo de 814 mil utilizadores a jogar ao mesmo tempo, isto poucos dias ainda após o lançamento. Isso dispara Baldur’s Gate 3 para dentro do top 10 de sempre nessa categoria do Steam, muito próximo de blockbusters como Hogwards Legacy, Elden Ring ou Cyberpunk 2077. Outro número importante a destacar é que Baldur’s Gate 3 é o jogo que lidera as tabelas de vendas de pre-orders na PS5 (plataforma onde terá lançamento a 6 de Setembro), superando títulos como Madden ou EA Sports FC.

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Eu, tendo acompanhado todo o processo deste jogo e conhecendo já bem a Larian Studios, esperava algo de muito bom. Já o tinha escrito logo aquando do anúncio do jogo. Esperava um grande sucesso dentro do género dos RPG isométricos, mas esse género é um nicho relativamente pequeno no mercado. Jamais esperei estes números notáveis ao nível dos grandes AAA. O próprio Swen Vincke, CEO da Larian Studios e o grande maestro por trás do jogo, assumiu que não esperava mais de 100 mil jogadores simultâneos no Steam na semana de lançamento.

Antes ainda do lançamento, já começava a sentir-se que algo de especial estaria para acontecer.  Tudo começou com uma thread no Tweet (agora X) de um desenvolvedor indie que alertou que, apesar de muito entusiasmado com Baldur’s Gate 3, gostaria de alertar os jogadores para não o usarem como um padrão de referência mais elevado para aplicar críticas em RPGs posteriores. Rematou que o jogo não é um novo padrão para os RPGs mas sim uma anomalia. Vários desenvolvedores juntaram a sua voz a suportar esta ideia, alguns de estúdios de renome como Bethesda, Blizzard ou Obsidian.

Baldur’s Gate 3 não é propriamente super inovador dentro no género. A questão é que está a entregar aos jogadores uma experiência muito melhor e maior que as expectativas. Ao contrário de muitos lançamentos AAA que temos tido e que falham em responder às expectativas dos jogadores.

Sou da opinião que vivemos uma fase algo negra no mercado dos videojogos. Muitas grandes empresas estão focadas em maximizar os lucros dos seus jogos em vez de maximizar a diversão proporcionada aos jogadores ou perceber o que eles realmente procuram num jogo. Micro-transações e loot boxes estão por todo o lado, forçando jogadores a realizar compras adicionais se quiserem usufruir da totalidade do jogo. Já chegámos ao ponto em que a progressão do jogador dentro do jogo é prejudicada com mecanismos (escondidos ou não), fazendo-o sentir que precisa de comprar aquele extra para conseguir atingir os seus objectivos. O jogador deixou de ser visto como o fim para o qual o jogo é desenvolvido, mas como o meio para o jogo extrair mais dinheiro.

Baldur’s Gate 3 oferece-nos uma experiência completa no momento que compramos o jogo. O jogo é enorme em termos de escolhas, consequências e customização. O próprio personagem que criamos, a sua raça e classe, definem a experiência que iremos ter, pois as pessoas reagem a quem somos e algumas portas só se abrem perante determinadas condições. O mundo é extraordinariamente interactivo e a liberdade para o fazer não tem limites. O ADN de D&D ajuda, com um lore tão vasto que a Larian Studios soube usar com boas histórias e narrativas densas e interessantes (130h gravadas de cinematics para as dinamizar). Os próprios mecanismos do sistema D20 de D&D foram abraçados fidedignamente e funcionam. Combate é divertido, bem como as ações que podemos fazer fora dele. O jogo promete experiência únicas, ricas e distintas para cada jogador e tem ainda um factor de re-jogabilidade como ainda não vi noutro qualquer. E ainda enriquece mais as possibilidades de jogo oferecendo um multiplayer, não só online mas também local, com split screen (algo que parece que toda a gente se esqueceu que era bom ser feito, matando um enorme potencial de diversão a casais e amigos que gostam de jogar juntos no mesmo sofá).

E a responsibilidade da qualidade de Baldur’s Gate 3 está na Larian Studios que o desenvolveu. Ao leme temos Swen Vincke, alguém que se veste de armadura para apresentar os seus Panels from Hell, de onde sairam todas as novidades sobre o jogo. Tudo tem um toque algo cheesy, mas super bem disposto e revelador da enorme paixão com que este estúdio trabalha os seus jogos. A Larian Studios teve ainda de trabalhar muito para conquistar a oportunidade de trabalhar esta franquia. Não lhe caiu nos pés. A qualidade de Divinity Original Sin e Divinity Original Sin 2 e toda a experiência adquirida no seu desenvolvimento foram essenciais para convencer a Wizards of the Coast, detentora da licença de Dungeons&Dragons, a pegar no terceiro título da saga.

A grande virtude da Larian Studios, contudo, é escutar os jogadores e procura ir de encontro ao que eles pretendem. Seja por respeitarem as suas verdadeiras necessidade e desejos (em vez de se preocuparem com como extrair o máximo dinheiro possível da sua conta), seja por realmente escutarem o feedback recebido ao longo dos seus Early Access.

Depois há ainda um factor importante, a sede que os próprios jogadores tinham de um jogo bom deste género. Desde os tempos áureos da Bioware que não tínhamos nada assim. Jogos como Baldur’s Gate 1 e 2, Jade Empire, Knights of the Old Republic e até mesmo Dragon Age Origins ou Mass Effect… há muito tempo não tínhamos nada assim. Este era um género que costumava ser popular e que muitos de nós crescemos a jogar, mas que há muito começou a ficou num vazio. RPGs isométricos ficaram restritos a produções menores de estúdios indie e as produções AAA foram cada vez mais virando-se para os Live Services, repletos de microtransações. A procura por estes jogos não terá desaparecido e Baldur’s Gate 3 é o jogo que muitos jogadores estavam à espera há mais de uma década.

Acredito (ou quero acreditar) que Baldur’s Gate 3 vai provar a todos os desenvolvedores que acautelaram para uma mudança de padrão de qualidade esperado no género que estão errados. Acredito que o jogo pode definir um novo paradigma, um novo patamar de qualidade e inovação, tal como outros jogos como Witcher 3 ou Grand Theft Auto o fizeram nas suas alturas.

E espero, sobretudo, que os números de Baldur’s Gate 3 e a forma foi tão apaixonadamente recebido sirvam de abre-olhos à industria, ajudando a voltar um pouco a um paradigma de produção de jogos pró-consumidor, escutando-o e oferecendo produtos com maior foco na diversão. Não sou ingénuo ao ponto de achar que a EA ou a Activision vão abandonar os seus loot boxes, mas se mais companhias aparecerem a trabalhar como a Larian ou a CD Project Red, já é uma conquista dos jogadores.

Para já, junto-me à celebração colectiva de Bardur’s Gate 3 e da Larian Studios, uma história bonita de uma empresa que já passou muitas dificuldades, mas lutou sempre pelos seus princípios e pelo que acreditava. Um estúdio que coloca a criatividade acima do lucro. E ainda bem que o fizeram, porque podemos hoje, assim, jogar esta obra prima. E a Larian pode continuar a crescer, como o tem feito desde Divinity the Original Sin.